quarta-feira, 30 de junho de 2010

O que é Jornalismo? Pergunte sempre!

O que é Jornalismo? A pergunta é recorrente. Vantagem minha ter a oportunidade de refletir sobre o assunto em bancas de monografia. O estudante Felipe Reis, da Unisul, traz o questionamento com a preciosa contribuição de não procurar uma resposta definitiva. O trabalho dele traça uma trajetória das principais teorias que sustentam o Jornalismo e analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender a obrigatoriedade do diploma de nível superior para o exercício da profissão. A partir da provocação, faço as seguintes reflexões:

1) Apenas como hipótese, o reconhecimento da atividade jornalística parece estar inscrito na própria crise que gera a pergunta. A decisão do STF baseia-se na redução do Jornalismo ao jornal que é descartado depois de lido, como ilustra o professor Manuel Carlos Chaparro. Resume-se, portanto, às suas formas expressivas e seus suportes tecnológicos; qualquer um que os domine tem condições de exercer a profissão. Mas começo a pensar que a sobrevivência do Jornalismo está na força da própria pergunta. É ela que sustenta a reflexão sobre uma crise que acompanha a atividade desde o princípio; e, por isso mesmo, mantém viva a possibilidade de resposta. A pergunta "o que é Jornalismo" não é retórica; traz um sentido de utopia que nos provoca a resposta, ainda que nunca a aceite definitivamente. A pergunta das perguntas funda-se na máxima de que o bom jornalista é quem sabe perguntar, não quem tem as respostas para os problemas sociais.

2) A partir daí pode-se pensar o Jornalismo enquanto campo de atuação, espectro muito mais amplo que o mercado de trabalho e seus lugares de ocupação. No campo de atuação há espaço para quem teoriza. Pensar sobre a profissão é também parte de seu campo de atuação. Pode parecer uma constatação inapropriada ou mesmo óbvia. Não cometamos equívocos de interpretação aqui. As teorias do jornalismo não dão conta de responder à pergunta e isso nos estimula a pensar mais sobre. Digamos que os referenciais teóricos ora adotados ainda refletem um modelo de sociedade caracterizado pela linearidade dos processos comunicacionais, pelas verdades absolutas concorrentes e pela estatização da ideia de poder. O Jornalismo vivia entre dois extremos: o libertador e o alienado. Nossos espaços atuais são mais fluidos, mais abertos a nuances interpretativas menos dogmáticas. E isso pede novas tentativas de reflexão com base na pergunta "o que é Jornalismo".

3) Apenas como exemplo desta nova contextualização, trago a ideia de "singularidade" tratada dentro da filosofia pelo falecido Adelmo Genro Filho. Na concepção de Adelmo, a partir da filosofia de Hegel, a singularidade é parte integrante do particular e do universal ao mesmo tempo em que é constituída por ambos. São três dimensões da realidade que "compreendem em si as demais". Dito de outro modo, o gênero humano é universal; em particular, as diferentes raças se distinguem enquanto "gênero"; a singularidade está no homem branco de terno e gravata que não tem tempo para as humanidades. Para Adelmo, o Jornalismo parte do singular para o universal, o que exige um exercício de apreensão muito mais denso da "realidade" a ser descrita. Contudo, novos olhares para essa concepção trazem um sentido de singularidade que se constitui na condensação de variáveis possíveis para o que reconhecemos como universal. Essa condensação nos permite o trânsito por dobras conceituais outrora distantes por conta da rigidez das fronteiras que isolavam as variáveis em seus próprios "compartimentos". Sendo assim, se o Jornalismo tem na singularidade sua dimensão mais apropriada, há de se repensar os sentidos possíveis a partir das condensações feitas, para além das fronteiras que confinam o exercício intelectual de interpretação do mundo a variáveis estanques. Ainda a título de hipótese: o Jornalismo não precisa de modelos conceituais. Ele é a própria pergunta.

Viagem gostosa essa. Um estudante interessado, colegas (Rosane Porto e Raquel Wandelli) inspiradas, inquietações afloradas. Saio da conversa convencido: a atividade jornalística depende crucialmente da vivacidade da pergunta que a coloca em crise. O Jornalismo está no espaço de circulação que constitui seu campo de atuação. Não há lugares fixos nesta cartografia.

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