quarta-feira, 23 de junho de 2010

Espaços sociais de aprendizagem e afetividade

Palavramundo é um termo cunhado pelo pensador Paulo Freire bem apropriado para a ideia de afetividade que aqui se quer tratar. Costumeiramente, o processo de ensino e aprendizagem impõe ao conceito de mundo o sentido de objeto sobre o qual a palavra ganha significado. É como se o mundo lido não pudesse ser sentido sem a descrição que o revela. Uma árvore, para Paulo Freire, pode ser um objeto a ser descrito. Mas, sob sua sombra há formas de apreendê-la para além de conceituações meramente descritivas. Isso porque a árvore simbolicamente descrita pela linguagem afeta o espaço de aprendizagem de quem o vivencia sob a sombra que ela (a árvore) cria.

A mágica do termo está justamente na inversão da relação costumeira entre ensino e aprendizagem. Ou melhor, está no desordenamento do processo. O mundo e a palavra não estabelecem uma relação linear de sentido. Não é necessário aprender a ler (as palavras) para entender a complexidade do mundo. Mas a complexidade do mundo é valorada quando conseguimos expressá-la a ponto de afetar os outros. Portanto, a importância da leitura não está na necessidade funcional de uma formação cidadã, ainda afetada por ideais iluministas de esclarecimento pela intelectualidade.

Quero dizer: o ato de ler está relacionado à socialização das ideias, à construção de regras de convivência humanas, à sensibilização de uma coletividade para as formas de interpretar e expressar a complexidade do mundo; é, portanto, um ato estruturante. A leitura constitui um elo com todas as formas possíveis de expressar o mundo, mas não pode ser confundida com o mundo mesmo. Para construirmos um laço de afetividade com a leitura precisamos do mundo que nos cerca e vice-versa. Não para compreendê-los (o mundo e o ato de ler) como objeto, mas para construirmos um processo de afeição mútua, como propõe o termo palavramundo.

Textura sonora: flaneria na hipermídia, de Daniel Signorelli (Unisul) - 
no espaço social de aprendizagem isso é uma monografia?

Li e socializei no twitter matéria sobre o analfabetismo funcional no Brasil, dilema que atinge, segundo pesquisas, 25% dos jovens acima de 15 anos. A questão é que são considerados analfabetos funcionais aqueles que não correspondem às exigências da sociedade da informação e que, portanto, não têm como exercer seu "direito democrático de cidadania". Para mudar o quadro, as bibliotecas comunitárias apresentam-se como espaços públicos importantes por constituirem-se em repositórios culturais e de socialização de informações significativas. É um esforço válido e importante. Mas o que afeta as pessoas que por elas passam?

Acumular todas as informações sobre o mundo, se fosse possível, não seria suficiente para transformá-lo. Uma super-biblioteca, por mais comunitária que fosse, não seria suficiente para aliviar as estatísticas quanto ao analfabetismo funcional brasileiro. Tampouco a qualificação das escolas e seus professores pela via da capacitação ou titulação acadêmica. Isso ajuda? Ajuda na formação para a cidadania, essa funcionalidade moderna necessária para justificar as políticas de estado e de mercado. Estes espaços públicos ainda são usados para ajudar a melhorar o acesso aos lugares de ocupação ávidos por jovens para garantir um grau de desenvolvimento compatível com o status geopolítico que o país almeja.

Volto à ideia de afetividade: os espaços públicos (entendidos como acessíveis) precisam também ser espaços sociais. Neste sentido, não bastam a troca de informações e a instrumentalização funcional pela leitura. Sem uma relação afetiva, compromissada em afetar a todos que circulam por estes espaços, de nada adiantam os esforços, ainda que mensuráveis positivamente. O ato de ler não é um ato de cidadania apenas. Não é para a sociedade da informação que o ato de ler torna-se fundamental. O ato de ler é uma capacidade humana que pode gerar novas formas de socialização e não está circunscrita na palavra impressa. O ato de ler é também um ato social na medida em que desvela a palavramundo e transforma os espaços de aprendizagem em espaços sociais de aprendizagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário