quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Paradoxos do Jornalismo diante do ensino, da profissão e dos campos de atuação

Recentemente os docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da USP receberam a proposição de discutir as diretrizes curriculares de jornalismo elaboradas por uma Comissão de Especialistas ao MEC. Retomar a discussão é interessante, visto que o documento dos especialistas, como exposto neste espaço anteriormente, é bastante controverso. Aqui vão algumas das questões levantadas pela Escola de Comunicação e Artes que merecem atenção:
  1. "(...) acreditamos que a argumentação do texto deixa entrever uma perspectiva 'separatista'": este é um ponto de extrema relevância, na medida em que o documento dos especialistas expõe uma visão distorcida da relação entre o jornalismo e a comunicação. Se considerarmos todo o movimento da educação (incluindo a brasileira) para a formação por competências, restringir o ensino a uma singularidade é, no mínimo, redutor. De que competências necessariamente falamos aqui? As referendadas pela tradição do fazer jornalístico ou as que abrem diálogo e interface com outras áreas de conhecimento e com as artes, por exemplo? As que o mercado (em sentido estrito) pede ou as que dizem respeito à "busca de respostas rápidas para os desafios imprevisíveis" (como aponta o economista Claudio Haddad)?
  2. "(...) a concepção que parece surgir da proposta de novas diretrizes tenderia a congelar o ensino e a pesquisa na realidade do século passado e inviabiliza toda e qualquer tentativa de preparar o aluno para o mundo contemporâneo": aqui a preocupação, pertinente, é com a diversidade e o dinamismo exigidos "num contexto de globalização e de grandes transformações tecnológicas". Os cenários para o futuro não nos põem em perspectiva com sectarismos, com visões fechadas sobre as relações com o que chamamos de mercado. O contexto é, como aponta o documento da ECA, o de situar o jornalista diante das desigualdades sociais e da diversidade cultural. É numa perspectiva de inserção social e não mercadológica que o jornalismo parece emergir no Século XXI.
  3. "(...) a proposta de diretrizes e de resto a reforma que o MEC parece engendrar na redefinição das tabelas de cursos, parece conformar-se a certa tendência de pensamento tecnicista e disciplinar que vem assolando o campo da comunicação aqui em nossas terras tropicais": de fato, a proposição da comissão é paradoxal neste aspecto. Ao mesmo tempo que sugere abertura a novos campos de atuação não contempla quaisquer perspectivas de interface para que essa relação se dê. Ora, campos de atuação (por ora aqui chamados de) profissional não estão em consonância com a ideia de perfil de egresso hoje assumidas pelos projetos pedagógicos de curso. Enquanto campo de atuação e até de saberes, o jornalismo se constitui num processo de múltiplas trajetórias, cujos itinerários nem sempre estão previstos. O paradoxo está principalmente na questão que evidencia as concepções ético-políticas no contexto das deontologias e do lugar de ocupação num posto de trabalho. Há questões muito mais amplas que o jornalismo, visto sob o aspecto da comissão, não alcança. Por falta de condições mesmo. O horizonte proposto está muito próximo do centro de geração de olhares possíveis (digamos assim).
  4. "(...) trabalhamos hoje com comunicação em um sentido integrado, muito mais do que dentro de fronteiras habilitacionais específicas": pela proposição da comissão, o jornalismo é mediação entre realidade e sociedade, o que o constitui numa atividade singular, específica. Mas o jornalismo, como aponta o documento da ECA, também pode ser entendido como "construção social da realidade". Significa dizer que o lugar de ocupação na sociedade parece ser muito mais significativo do que o lugar de ocupação num posto de trabalho. Há outras formas de entender o jornalismo, de aplicá-lo (se quisermos usar um termo corrente). Mas o texto da comissão "limita a concepção do jornalismo à concepção de mercado num sentido estrito", o que favorece as organizações jornalísticas. Dizer, portanto, que comunicação não é profissão está correto em parte; a comunicação é um campo de atuação vasto para o jornalismo.
Há outros pontos no documento que discutiremos mais adiante. A questão que nos parece relevante no momento diz respeito a que aspectos considerar quando põe-se o assunto em pauta. Outro dia, procurado por alunos de primeira fase para uma entrevista sobre a profissão, o foco da conversa girava em torno da "morte" do jornal impresso diante da internet. Nada mais redutor. Jornalismo é mais do que técnicas e mídias. Surpreendente foi perceber que os alunos estão dispostos a refletir sobre isso. Talvez porque vivam o dilema; não o construíram a partir de reflexões conservadoras distanciadas no espaço e no tempo.