sábado, 10 de julho de 2010

Tempo pedagógico: diferentes temporalidades entre o ensino e a aprendizagem

Não é de agora a discussão sobre as características do trabalho docente na educação superior. As políticas de contrato que regem a docência ainda estão centradas no ensino como atividade e na sala de aula enquanto espaço pedagógico. A preparação de conteúdos e o planejamento da aprendizagem, além de outras atividades relacionadas à educação, nem sempre são objeto de valorização quando se avalia o nível de remuneração dos professores. Com as "Tecnologias de Informação e Comunicação" inseridas no contexto do trabalho docente, aumentam os questionamentos a respeito da precarização do ensino.

Como mensurar o tempo de atividade docente e relacioná-lo a uma proposta de remuneração considerada mais justa? Claro que há diferentes respostas dependendo da organização acadêmica e administrativa da instituição de ensino. Mas, uma questão em especial, penso, merece avaliação mais acurada. O tempo do ensino não é o tempo da aprendizagem; e nesse sentido, o trabalho docente é efetivo quando se põe generosamente a aproximar as distintas temporalidades inerentes ao processo. Eis a equação que precisa ser resolvida pela gestão educacional.

Na educação formal, o ensino atende ao tempo cronológico. O planejamento didático-pedagógico estabelece os parâmetros a serem alcançados com base nos projetos estruturados num recorte de tempo. Isso garante ordem suficiente para dar conta minimamente de reconhecer as horas trabalhadas na docência. O tempo, neste caso, é uma ferramenta de gestão. É tecnocrático; circunscreve-se às planilhas de alocação de carga horária. A aprendizagem, contudo, não obedece a essa ordem.

O sistema educacional compõe-se de diversos planos horizontais sobrepostos e nós, professores e estudantes, os atravessamos verticalmente de baixo para cima, na medida em que vencemos os requisitos prévios estabelecidos por normas e diretrizes. Esse movimento vertical de baixo para cima não implica necessariamente aprendizagem; significa que cumprimos uma etapa e iniciamos outra. Boa parte do que "estudamos" nessa trajetória perde-se porque não relacionamos os conteúdos com o cotidiano.

Outra questão: o espaço pedagógico é organizado por essa mesma lógica temporal. Nele, as atividades precisam ser controladas para que se possa mensurar os níveis de desempenho em função das normatizações e critérios impostos pela organização do conteúdo num cronograma planejado previamente. Há um certo padrão de respostas esperadas que servem de parâmetro para a verificação dos índices e do alcance das metas estabelecidas pelo professor. A aprendizagem é quantificada pelo volume de respostas mais próximas ao padrão definido.

Os itinerários formativos inscritos nessa raconalidade acadêmico-pedagógica oferecem pouca probabilidade de valorização dos "momentos auspiciosos" no processo de ensino-aprendizagem. O ato de aprender não se resume à memorização de conteúdos, tampouco ao domínio de técnicas específicas para o exercício meramente laboral. O espaço pedagógico efetiva-se no tempo cronológico do planejamento quando submetido à valorização de ações coletivas potenciais que reconheçam a "união de elementos heterogêneos para mobilizar sentidos em trajetórias impensadas", como diz Virginia Kastrup.

Voltando à questão da valorização docente, as chamadas "Tecnologias de Informação e Comunicação", antes de representarem uma ameaça, podem ser uma oportunidade de espandir o espaço de aprendizagem para além da temporalidade tecnocrática do trabalho docente descrito em planilhas de alocação. Neste sentido, as respostas não estão na "capacitação" docente para o uso de novas ferramentas e o domínio do tempo relativo; estão, isso sim, numa outra ordem de fatores que reconheçam diferentes temporalidades na estrutura curricular e na organização administrativa do processo de ensino-aprendizagem.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Áreas de conhecimento e legitimação dos saberes: questão de investimento?

"O doutorando brasileiro está cada vez mais interessado em Machado de Assis e menos em relatividade", diz a primeira frase do texto publicado pela Folha.com sobre o crescimento da pós-graduação brasileira na área das ciências humanas. Contudo, o contexto abordado é o da diminuição de doutores nas ciências exatas entre 1996 e 2008. Não vamos aqui nos perder com números. Interessa discutir as concepções implícitas na assertiva. O estudo foi realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e reflete a visão tecnicista da formação científica no país.

Pesquisa é desenvolvimento quando a ciência é tecnologia. Não fosse assim, o interesse em Machado de Assis não seria menos importante que o em Albert Einstein e suas teorias. Os investimentos destinados à chamada pesquisa aplicada concentram-se em áreas fundamentais para o aumento quantitativo das estatísticas que expõem o país no cenário internacional. Mas as justificativas para a mudança de contexto do stricto sensu dizem respeito justamente ao volume de investimentos necessários às instituições de ensino para montagem de laboratórios de ponta que qualificam a formação nas "exatas".

A associação, portanto, é simples: como há mais instituições privadas no Brasil, os recursos a serem investidos garantem melhor retorno em cursos que precisam apenas de "cuspe e giz"; dizendo de outro modo, as "humanidades" não carecem de laboratórios caros e dependem apenas de autoridades professorais em aulas expositivas; ou, quando muito, de ações ilustrativas quanto ao mundo real, visto que as simulações de pesquisa não cabem em tubos de ensaio. As "exatas" expressam, neste contexto, a intelectualidade da intelectualidade científica brasileira; por serem tão escassas quanto necessárias.

E o que dizer das "humanidades"? Elas não se justificam a si mesmas. São abstratas demais, demoradas demais para conclusões quantitativas, intangíveis demais para mensurar as possibilidades de retorno quanto a investimentos. Mas são baratas exatamente por isso. Num país em que titulação virou sinônimo de carreira, pesquisa é circulação por congressos e publicação em anais e áreas de conhecimento evidenciam fronteiras entre os saberes, fazer ciência é produzir tecnologia. Também para as "humanidades".

Por tecnologia, geralmente, entendemos as próteses técnicas que nos permitem mudar hábitos e valores. Contudo, nossa relação com a absoluta maioria dessas próteses técnicas não evidencia mudanças culturais significativas. Nos adaptamos a ferramentas que agilizam nosso tempo, ampliam nosso "espaço" de circulação, mudam, sim, a vida no que há de menos significativo: no uso dos meios. Paradigmaticamente, está nas "humanidades" a perspectiva de intervenções que dêem sentido às próteses e gerem condições de possibilidade para uma articulação viva entre os saberes.

Ciência é, por isso, uma cultura; um modo de ser investigativo sobre as verdades do mundo, sobre os consensos que estabelecemos no seio acadêmico para legitimar assertivas como as que abriram o texto da Folha.com. Machado de Assis e Albert Einstein não estão em extremos opostos; assim como as "humanidades" e as "exatas". A redução das "exatas" na pós-graduação stricto sensu entre 1996 e 2008 talvez tenha mais a ver com a necessidade de pensarmos políticas sociais mais densas, ainda que precisemos avançar muito em produção tecnológica. A busca do para quê talvez ajude nesses avanços; e o para quê está no cerne investigativo das "humanidades".

Velhos rituais artísticos com novas ferramentas tecnológicas: "humanidades" e "exatas" 
estão em complementaridade, num único contexto. A pergunta é: vale investir em quê?