domingo, 20 de junho de 2010

O futebol de bar invade a racionalidade discursiva sobre o "jogo"

Conceituado antropólogo brasileiro, Luiz Henrique de Toledo publicou em 2002 uma análise interessante sobre o futebol e suas lógicas. Os clubes profissionais, os jornalistas esportivos e os torcedores foram postos em circularidade numa investigação etnográfica e empírica peculiar. Em síntese, a pesquisa buscava os consensos e dissensos para além do vazio que rege os discursos sobre este esporte. Por que postos em circularidade? De certa maneira, o campo esportivo visto a partir dos ideários que caracterizam os protagonistas do espetáculo, os especialistas e os consumidores servem de "fundamento" para o futebol midiatizado, ou também conhecido como "de alto nível".

Não é ao livro, explicitamente, que este texto é dirigido. Contudo, há uma interessante relação pensada pelo pesquisador entre o futebol jogado, o futebol discursado e o futebol de bar. Em certa medida, os critérios de julgamento para a construção dos argumentos a respeito de um "jogo" passam por estas instâncias circulares, que se retroalimentam. Vejamos a Copa do Mundo deste ano na África do Sul, especialmente o desempenho da Seleção Brasileira: qual o "nível técnico" ideal de uma competição como esta e de um postulante ao título? As respostas são diferentes a cada rodada.


Sem Garrincha, estas imagens seriam associadas ao futebol de várzea

Digamos que os especialistas têm a prerrogativa de "justificar" seus prognósticos imprecisos com uma racionalidade discursiva que recria o "jogo" e sua suposta racionalidade técnica. Neste sentido, o nível técnico pode ser alto ou baixo em uma competição, dependendo do grau de proximidade dos acontecimentos no futebol jogado com as análises "especializadas" no futebol discursado. A título de hipótese: o "futebol arte" brasileiro, supostamente ausente nos tempos atuais, tem muitíssimo a ver com a "arte discursiva" sobre ele. A "beleza" do futebol no país coincide com a "beleza" textual da crônica esportiva, tão ausente atualmente quanto os craques que protagonizavam os espetáculos de outrora.

Na mecânica do "jogo" encontramos uma mecânica do dizer sobre. Nelson Rodrigues não escreve mais sobre seus "reis" e "príncipes" em crônicas teatrais e poéticas; tampouco o Canal 100 elabora discursos audiovisuais com requintes cinematográficos. Hoje temos os "escritos" excessivamente descritivos, limitados ao "jogo", de prosa fria, distante; temos o "show de imagens" que se espetacularizam a si mesmas, insensíveis ao olhar poético, reduzidas à tecnologia dos equipamentos. Portanto, o futebol é outro.


Poética do "jogo" e poética discursiva: uma sem a outra?

Mundo globalizado, experiências intercambiáveis, futebol mundializado e mercantilizado, crônica esportiva limitada ao visível. Uma imagem é uma imagem e não uma fonte de inspiração; um texto é o dizer imparcial sobre a realidade e não a expressão sensível do universal pela singularidade. O futebol de bar antes alimentado pela "arte discursiva" sobre o esporte é hoje o que alimenta a mecânica do "jogo". Os dribles ainda existem, as belas jogadas ainda estão em pauta; só não são mais fonte de percepção para além de uma racionalidade técnica engendrada pela mecânica racionalidade discursiva dos especialistas de plantão.

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