terça-feira, 6 de julho de 2010

Áreas de conhecimento e legitimação dos saberes: questão de investimento?

"O doutorando brasileiro está cada vez mais interessado em Machado de Assis e menos em relatividade", diz a primeira frase do texto publicado pela Folha.com sobre o crescimento da pós-graduação brasileira na área das ciências humanas. Contudo, o contexto abordado é o da diminuição de doutores nas ciências exatas entre 1996 e 2008. Não vamos aqui nos perder com números. Interessa discutir as concepções implícitas na assertiva. O estudo foi realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e reflete a visão tecnicista da formação científica no país.

Pesquisa é desenvolvimento quando a ciência é tecnologia. Não fosse assim, o interesse em Machado de Assis não seria menos importante que o em Albert Einstein e suas teorias. Os investimentos destinados à chamada pesquisa aplicada concentram-se em áreas fundamentais para o aumento quantitativo das estatísticas que expõem o país no cenário internacional. Mas as justificativas para a mudança de contexto do stricto sensu dizem respeito justamente ao volume de investimentos necessários às instituições de ensino para montagem de laboratórios de ponta que qualificam a formação nas "exatas".

A associação, portanto, é simples: como há mais instituições privadas no Brasil, os recursos a serem investidos garantem melhor retorno em cursos que precisam apenas de "cuspe e giz"; dizendo de outro modo, as "humanidades" não carecem de laboratórios caros e dependem apenas de autoridades professorais em aulas expositivas; ou, quando muito, de ações ilustrativas quanto ao mundo real, visto que as simulações de pesquisa não cabem em tubos de ensaio. As "exatas" expressam, neste contexto, a intelectualidade da intelectualidade científica brasileira; por serem tão escassas quanto necessárias.

E o que dizer das "humanidades"? Elas não se justificam a si mesmas. São abstratas demais, demoradas demais para conclusões quantitativas, intangíveis demais para mensurar as possibilidades de retorno quanto a investimentos. Mas são baratas exatamente por isso. Num país em que titulação virou sinônimo de carreira, pesquisa é circulação por congressos e publicação em anais e áreas de conhecimento evidenciam fronteiras entre os saberes, fazer ciência é produzir tecnologia. Também para as "humanidades".

Por tecnologia, geralmente, entendemos as próteses técnicas que nos permitem mudar hábitos e valores. Contudo, nossa relação com a absoluta maioria dessas próteses técnicas não evidencia mudanças culturais significativas. Nos adaptamos a ferramentas que agilizam nosso tempo, ampliam nosso "espaço" de circulação, mudam, sim, a vida no que há de menos significativo: no uso dos meios. Paradigmaticamente, está nas "humanidades" a perspectiva de intervenções que dêem sentido às próteses e gerem condições de possibilidade para uma articulação viva entre os saberes.

Ciência é, por isso, uma cultura; um modo de ser investigativo sobre as verdades do mundo, sobre os consensos que estabelecemos no seio acadêmico para legitimar assertivas como as que abriram o texto da Folha.com. Machado de Assis e Albert Einstein não estão em extremos opostos; assim como as "humanidades" e as "exatas". A redução das "exatas" na pós-graduação stricto sensu entre 1996 e 2008 talvez tenha mais a ver com a necessidade de pensarmos políticas sociais mais densas, ainda que precisemos avançar muito em produção tecnológica. A busca do para quê talvez ajude nesses avanços; e o para quê está no cerne investigativo das "humanidades".

Velhos rituais artísticos com novas ferramentas tecnológicas: "humanidades" e "exatas" 
estão em complementaridade, num único contexto. A pergunta é: vale investir em quê?


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