segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

2013 e o tempo necessário

Com quanto anos se faz uma vida?

Há quem de 33 faça 2.000. E há quem de 73 faça o tempo que for necessário. Prefiro o tempo que for necessário por muitas razões particulares. Mas há perspectivas genéricas que sustentam minha escolha: o tempo necessário (kairós) é auspicioso, paciente e lúdico. Ele não devora almas, as cultua no ritmo de nossas escolhas, no passo de nossas possibilidades. Sua grandiosidade está na complexidade que a mais eloquente das crenças jamais conseguiria capturar em discurso. O tempo necessário é o que é para cada um de nós.

Os auspícios estão na singularidade de cada estalo, de cada "cair de ficha" que nos alimenta a consciência. E não há como contá-los pelo acúmulo das horas vividas. Auspiciosos são os dias em que percebemos... são aqueles instantes de apropriação pela sinestesia cosmogênica cujo sentido não nos paralisa; tais instantes não nos esclarecem, nos enchem de dúvidas novas que ampliam nossa perspectiva, nos dão um agradável lugar no desconforto.

No tempo necessário mora a paciência das esperanças. Quando se sabe que o destino é alcançável, dá para "empreender" esforços em outras "paragens"; e isso amplia o horizonte de possíveis disponíveis. Essa paciência histórica nada tem a ver com "vitórias" ou "derrotas", "covardia" ou "coragem"; ela simplesmente cultua os auspícios, os torna mais fortes.

No tempo necessário é lúdico viver; em si mesmo e nos que o cercam.

Nós sempre buscamos um fim; sem ele não há recomeços. Um ano acaba, outro começa. E com eles contam-se vidas. As que podem durar 2.000 anos e as que ficam nos 73. A diferença está no tempo necessário que cada uma delas cultivou: auspiciosa, paciente e ludicamente. Cronos não tem como devorar a consciência dos auspícios em qualquer calendário que padronize o tempo para todos. O tempo necessário não permite contagens padronizadas.

Que 2013 se fortaleça nos auspícios, na paciência e no lúdico do tempo necessário. O tempo necessário de uma vida.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Os primeiros dias do resto de minha vida!

A eternidade é uma brincadeira que inventamos para dar sentido ao jogo da vida. Não teria a menor graça simplesmente acabar. Inventamos planos, inventamos deuses, criamos formas lúdicas de amenizar dores profundas. Não há verdades neste jogo; essa é a regra básica. E é a essa capacidade humana de criação que entrego minhas crenças.

Nimar era um nome incomum para alguém cuja vida foi discreta. Nada de grandes feitos ou protagonismos arrojados como os que cultuamos nesse mundo em que chamamos de realidade o que é apenas aparente. Houve, claro, em certos momentos, tentativas. Poucas. Pouquíssimas. Esse não era o legado dele.

Começo a me dar conta de quanto teremos de inventariar na sua ausência. Os bens materiais são quase nada. Os simbólicos, nem sei por onde começar. Havia uma complexidade quase ingênua nos gestos, no sorriso de canto de lábio, na introspecção profunda, no silêncio doloroso que o temor da morte talvez o provocasse. E a morte veio nesse silêncio sábio, nesse silêncio de quem não queria antecipar a própria dor aos outros, sobretudo aos mais próximos.

Nimar era um homem incomum para a barbárie em que vivemos. Sobre o corpo já enrijecido pela ausência da anima que lhe dava identidade meu irmão teve a sobriedade de sintetizar a essência humana que caracterizou toda uma vida: "Ser homem é dar o que de melhor existe em si mesmo sem esperar nada em troca". Não há inventário capaz de mensurar esse legado.

Vou continuar brincando com ele até que eu me despeça. Tenho peças suficientes, tenho a filosofia do jogo... me falta o lúdico, essa complexidade quase ingênua de fazer gestos simples para celebrar ocasiões marcantes, de sorrir discretamente para as resistências à ontologia singular dos próprios gestos, de ser capaz de confortar nos outros as dores que nos aterrorizam por toda a vida.

Sinto não tê-lo mais para continuar aprendendo. Sinto não tê-lo percebido ensinar tanto. Tenho a eternidade como conforto, ainda bem! Ainda bem que somos capazes de inventar jeitos tão nobres de perpetuar a simplicidade. O vejo agora com o sorriso nos lábios, talvez conduzindo cada frase que escrevo. É porque tenho um pouco da anima que o tornava singular que escrevo.

O que me conforta não é imaginar um outro plano em que Nimar esteja; conforta reconhecer em mim, por mínimo que seja, a presença do Pai, do Amigo, do Sábio que respondia sozinho pela dramaticidade de relacionamentos nem sempre tranquilos. Ele não era o Norte; assumiu a missão muito mais inglória de ser nossa Âncora.

Espero, tenhamos reconhecido o lugar que ele cultuou de um jeito tão próprio; é para este lugar que pretendo ir sempre que o descanso for a melhor saída para o permanente trânsito em que estamos mergulhados. Até que o meu descanso seja o dele.

"Ser homem é dar o que de melhor existe em si mesmo
sem esperar nada em troca" (irmão Fernando
Bitencourt). Nimar e o legado de preencher o vazio
com o que somos.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Currículo como práxis de espaços sociais de aprendizagem

Este texto foi produzido como base para uma mesa de debates no II Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizado em Florianópolis, cuja temática era Promoção da Acessibilidade no Contexto da Educação Permanente
A reflexão aqui proposta tem o intuito de promover um debate a respeito do sistema educacional no que tange a estruturação e a integralização de currículos escolares, sobretudo no ensino de nível superior. Parte-se do princípio de que ainda são tímidos os espaços de aprendizagem abertos às potencialidades que a criação e as perspectivas de desenvolvimento humano podem materializar em termos de formação para a vida, o que também inclui a esfera do trabalho. Neste contexto, o termo “inclusão” aparece para evidenciar os esforços promovidos por políticas de acesso ao sistema educacional em todas as instâncias e níveis de aprendizagem, mas sem mudanças significativas quanto às propostas de formação.

De origem latina, etimologicamente a palavra currículo é associada a percurso. No âmbito escolar, percursos em projeção; um conjunto de itinerários formativos geralmente sequenciado, proposto por especialistas como subsídio quanto às possíveis trajetórias em aberto para uma formação que atenda a necessidades sociais contemporâneas. Mas a questão que se põe em debate subjaz de uma práxis quanto à organização curricular cujos fundamentos têm origem numa sociedade industrial, tecnocrática e tecnologizada. O sistema educacional é excludente por princípio; segrega intelectualmente os desprovidos de capacidade para ingressar em determinada etapa do aprendizado, segrega socialmente os estranhos aos padrões estabelecidos pelas normas legitimadas e segrega economicamente os incapazes de prover com recursos próprios seu ingresso no sistema. Ou seja, reproduz um ideário de sociedade pautado na competitividade e em valores que cultuam a acumulação de bens materiais e simbólicos.

Para Tomaz Tadeu da Silva, a divisão do currículo em matérias ou disciplinas, a distribuição sequenciada de conteúdos em fluxos de tempo determinados e as hierarquias no processo de organização curricular refletem contingências sociais e históricas. Do mesmo modo, nossos currículos pessoais dependem de documentos comprobatórios que chancelam o que atestamos de significativo em nossa trajetória de vida. Podemos dizer que o sistema educacional, diante deste quadro, oferece espaços de valorização de títulos e certificados cujo acúmulo em maior número nos oferece garantias de oportunidades em escalas quantitativas proporcionais. Quanto mais títulos acumulados, maiores as oportunidades de ascensão social e de acesso aos bens materiais e simbólicos que se almeja.

Quando a Educação - e estamos nos referindo mais especificamente aqui à de nível superior - assume o status de objeto de desejo numa sociedade de consumo e propõe formar perfis para um sistema produtivo que já não garante mais lugares de ocupação por muito tempo; quando os investimentos pessoais em uma área de formação já não representam um investimento direto num emprego específico, como enfatiza Boa Ventura de Souza Santos; quando, segundo Renato Janine Ribeiro, uma perspectiva de carreira profissional toma um rumo em diagonal, cada vez mais afastado do diploma de origem, os títulos e certificados se fortalecem na segregação alimentada pelo sistema educacional.

É praxeomórfico neste sistema atualmente o que reforça os títulos e certificados em si mesmos, o que distribui as etapas de formação em função de uma hierarquia de conteúdos, o que legitima um certo mercado para o conhecimento considerado produtivo e obsoleto, o que faz da Educação uma commodity capaz de redimir a sociedade, sempre no futuro, de suas mazelas. Entram de maneira abstrata no debate quanto aos rumos para a Educação, pelo menos enquanto políticas sociais, os aspectos relacionados ao desenvolvimento humano e aos saberes considerados válidos para a solução de nossos problemas.

E o que se quer dizer com praxeomórfico? Já usamos o termo em outras oportunidades neste espaço. Adotado por Zygmunt Bauman, diz respeito a como tendemos a conceber o mundo a partir do que podemos fazer e do que fazemos habitualmente. O “o que podemos fazer”, sugerimos, está no âmbito das potencialidades, de nossa capacidade prospectiva de imaginar realizações futuras. O “o que fazemos habitualmente”, na esfera dos valores que cultuamos, dos procedimentos e das atitudes que adotamos diante das questões cotidianas e, num certo sentido, dos processos cognitivos internalizados ou legitimados coletivamente. O termo designa, portanto, que a “forma” decorre da práxis, das constantes negociações de sentido quanto aos rumos que tomamos frente aos problemas pelos quais todos somos afetados. E a práxis na estruturação de currículos escolares tem referendado uma tradição que pouco explora as próprias potencialidades.

A despeito dos debates contemporâneos e das experiências menos ortodoxas de estruturação, qualquer proposta de integralização curricular tem em conta ainda a linearidade, a hierarquia nas escalas de valores, no acesso aos saberes e no fluxo de informações represado em grades disciplinares, a avaliação por acúmulo de requisitos subsequentes, enfim, a práxis na estruturação de currículos escolares mantém as formas de organização de itinerários formativos em padrões que talvez já não sejam suficientes para dar conta das necessidades sociais de hoje.

A própria ideia de Educação Inclusiva, reconhecidos os avanços quanto às concepções que lhes são próprias, mantém como desafio genérico a integração de pessoas deficientes nos ambientes escolarizados por classes consideradas normais. Contudo, considere-se que a sensação de normalidade na escola só existe em função do currículo, em função do que se propôs como itinerário formativo. Neste aspecto, as concepções de inclusão sustentam-se na necessidade estrutural de prover a superação das deficiências - sejam elas físicas, comportamentais, intelectuais ou de quaisquer ordens - com recursos que auxiliem o ambiente a manter-se nos padrões de normalidade. Não é o currículo que está em questão mas as maneiras de fazer com que todos, independente das deficiências que tragam consigo, alcancem a “normalidade” por ele projetada.

Se está no currículo escolar a delimitação das referências essenciais para o processo de formação é a partir dele que se pode constituir os espaços de aprendizagem igualmente necessários. Sem uma práxis, portanto, que valorize laços afetivos, rumos constantemente negociados e aprendizagem autônoma não há forma que represente outras perspectivas em relação ao que já consolidamos no ambiente educacional. É importante enfatizar que nem todo o espaço de aprendizagem é social, na medida em que nele não há referências que afetem a todos os envolvidos e, por consequência, laços e memórias que expressem um sentido orgânico de coletividade. Cada indivíduo neste espaço de tensões solitárias, usando termos de Marc Augé, mantém vínculos com seu próprio movimento em busca de chancelas que lhes abra oportunidades.

Um espaço de aprendizagem que se propõe social concebe lugares para se estar neles em permanente circulação. Não se trata de uma passagem circunstancial por itinerários formativos planejados para conferir documentos comprobatórios quanto ao mérito adquirido num determinado fluxo de tempo. Estes são uma decorrência. Laços afetivos e memória estão intimamente relacionados com a valorização de múltiplos saberes, de diferentes percepções sobre as questões fundamentais para a formação, de uma vocalidade que expresse o diverso como constitutivo do espaço. Para Zygmunt Bauman, vocalidade é um termo que denota o caráter polissêmico do diálogo com os saberes. Pois bem, num espaço assim a aprendizagem se dá pela potencialização das diferentes capacidades de resposta às questões pelas quais todos nele são afetados.

Enquanto política, podemos continuar buscando formas de facilitar o acesso dos excluídos ao sistema educacional. Mas parece oportuno reavaliar as referências essenciais que os currículos impõem aos espaços de aprendizagem. Desde meados do Século XX, quando a Educação passou a ser entendida como um direito, as classes e gêneros que ascendem a ele crescem na mesma proporção em que se estratificam os tipos de formação em oferta. As chancelas hoje são muitas e atendem aos mais variados graus de interesse por formação. E os currículos reproduzem-se a partir de modelos que valorizam a padronização da forma em detrimento de uma práxis quanto à sua estruturação. Os itinerários formativos propostos pelas instituições de ensino precisam perceber e valorizar as trajetórias constituídas fora da “normalidade” que impõem.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Por um lugar epistemológico para a Educação

Não há o conhecimento como um todo disponível aos interessados. Há um estado da arte em que se pode acessar o compêndio de informações legitimadas sobre nossa "realidade". E é sobre esse compêndio que se institui a autoridade quanto ao que se pensa e o que se diz a respeito dos objetos e dos fenômenos que nos "cercam"; é em torno dele que gira o processo educacional. Interessante, porque propõe uma finalidade para a Educação e determina como organizá-la.

Uma ilustração: nas últimas cinco décadas o sistema educacional brasileiro tratou de organizar, entre muitas outras coisas, as áreas do conhecimento humano, entendidas como fundamentais para o desenvolvimento acadêmico-científico. Um compêndio de leis, pareceres e resoluções tratou de dar existência e normatizar o sentido para essas áreas. A Filosofia, por exemplo, ganhou um lugar dentro das Ciências Humanas. Uma contradição, na medida em que sem a primeira não existiria a segunda.

Vamos separar, então, o compêndio sobre o pensamento filosófico (para ser redundante) e a Filosofia. Dentro das Ciências Humanas temos um compêndio de informações sobre as referências que permitem estudar a Filosofia e (re)conhecer as escolhas que legitimam o que deve ser cultuado sobre o rico e inesgotável pensamento humano. Portanto, o máximo que as Ciências Humanas podem oferecer à Filosofia é dar ciência ao que se tem catalogado sobre as abstrações e, porquê não, as aplicações institucionalizadas das referências a ela.

Dentro das Ciências Humanas a Filosofia está pedagogizada, higienizada enquanto referência a respeito de seu confinamento. É como se o pensamento filosófico só fosse possível dentro de sua própria ciência; uma evidente forma de domesticá-lo. Não há possíveis disponíveis senão dentro do compêndio existente sobre o pensamento filosófico. Portanto, a Filosofia é para filósofos, para eleitos institucionalizados como representantes de sua ciência; cânones imortalizados por aquilo que evitaram ao longo de sua existência: domesticar as ideias pela linguagem erudita e dogmatizar os dizeres ensimesmados de um olhar sobre o mundo.

Sugata Mitra e suas experiências com aprendizagem sem professor, usando ferramentas modernas
em lugares pouco ortodoxos para o investimento em tecnologias de ponta.

Mas voltemos à Educação, ela própria uma área das Ciências Humanas. Assim como a Filosofia, ela se concebe num confinamento. Mas é preciso reconhecer uma perversidade maior nesta relação. Isso porque o compêndio referente à Educação tem um caráter explicitamente aplicado. Enquanto área ela não está pedagogizada, higienizada; ela é a pedagogia e a razão de higiene. Não vamos aqui perder tempo com tentativas de "desdizer" equívocos interpretativos a respeito do que este texto propõe. Vamos eliminar o tal didatismo responsável pela domesticação dos sentidos e pela homogeinização das contradições.

Só dentro das Ciências Humanas a Educação se concebe, dizem as referências sobre o conhecimento a seu respeito. É, portanto, necessário conhecê-la para que alguém possa legitimar-se como educador. É preciso aprender a educar dentro de sua própria ciência e, portanto, domesticar-se quanto às suas finalidades e processos. A Educação tem hoje um lugar na epistemologia mas está longe de ser um lugar epistemológico. Falta-lhe o propósito, aquilo que a constitui.

O lugar destinado à Educação no catálogo das epistemes é resultado de seus "objetos e métodos", dos conhecimentos interrelacionados e coletivamente construídos para fins de ensino, de pesquisa e de aplicações práticas. Pelo menos é o que dizem os documentos que justificam a classificação. Seu confinamento, portanto, não é por acaso. Não há um propósito para a Educação neste contexto; há para seu enquadramento. O espaço em que este lugar se inscreve é o das práticas da razão instrumentalizada para o fazer científico, delimitado pela tecnocracia e pelos repositórios de informação legitimada a seu respeito.

Bunker Roy e seu college dos pés-descalços, um espaço de aprendizagem pautado pela negociação
dos saberes e pela organização com base nos interesses coletivos da vida em sociedade.

Para ser um lugar epistemológico a Educação precisa romper os limites das Ciências Humanas. Ela deve estimular a negociação de seus processos e admitir múltiplas finalidades a si mesma. É num espaço de aprendizagem socializado em razão dos laços afetivos, das memórias compartilhadas, do reconhecimento do Outro pela solidariedade ao diferente, da livre circulação de diferentes saberes que a Educação deve se (re)conhecer. E sua ciência também cabe neste contexto, claro! Não como determinante, mas como um possível disponível enquanto referência.

Num espaço de aprendizagem não há professores e alunos, ou melhor, todos o são; não há requisitos prévios para a busca de soluções; não há arbitrariedade quanto às escolhas do que deve ser aprendido. Reconheçamos, nosso sistema atual não concebe essa despedagogização porque legitima a Educação apenas enquanto ciência humana. Disso depende toda a lógica de organização dos saberes escolares, do tempo pedagógico pautado numa cronologia e na chancela do que deve ser aprendido; disso depende a capacitação dos educadores, cuja finalidade principal parece a de atender aos padrões de resposta esperados para os pseudoproblemas que levantamos.

A Educação não pode ser vista como meio para acesso ao conhecimento. Primeiro porque não há o conhecimento a ser acessado. A relação entre ambos se dá pelos possíveis disponíveis quanto às finalidades envolvidas, os propósitos acordados. E, depois, o compromisso de conduzir os processos de aprendizagem não está em quem detém o poder de decisão sobre o estado da arte a ser adotado, tampouco nos territórios delimitados pela apropriação autoral de certos pensamentos. O potencial de desenvolvimento humano depende de um lugar epistemológico inscrito em espaços delimitados pelo (re)conhecimento de seus possíveis disponíveis e não pela disponibilidade de acesso ao conhecimento eleito arbitrariamente como única alternativa.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os índices de desenvolvimento e a educação como bem de consumo

No início deste ano, a Grécia sediou a quinta edição do Fórum Internacional de Universidades. No debate esvaziado pela crise econômica, lamentações e olhares distintos sobre o papel destas instituições no contexto atual. Países no topo da cadeia científico-tecnológica mergulham na falta de ética, problema evidenciado pelo crescimento de plágio em publicações de pesquisa e pela falta de compromisso de cientistas com os sérios problemas que enfrentamos; países em emergência focam energia na melhoria do desempenho de suas universidades nos rankings internacionais; já os submersos na crise, discutem as perspectivas diante dos cortes e das demissões em grande escala no setor da educação.

Pelo menos essa foi a síntese de uma parca cobertura jornalística no Brasil. Aliás, a mídia brasileira há algum tempo tem vestido a farda conservadora do mercado da educação, preocupado em quantificar seus contingentes a custos irrisórios. A expansão do ensino técnico de nível médio, comemorada discretamente pelo setor industrial, ocupa espaços distintos no debate público em relação a um suposto interesse do governo brasileiro por atrair mão de obra qualificada estrangeira. E o ensino tecnológico, de nível superior, ainda é fomentado como necessidade para acelerar um mercado de trabalho "cheio de vagas".

 
Mão de obra qualificada estrangeira vê na economia brasileira uma boa perspectiva de
mudar de vida. O governo brasileiro, de olho nesse "filão", estuda propostas de abrir
oportunidades. A matéria foi veiculada no Bom Dia Brasil de 17/01/2012.

Somos um país em desenvolvimento agora "desacelerado" por conta de uma crise internacional, de um Estado ineficiente e de índices paupérrimos em educação, dizem sucintamente os setores especializados nas "ficções invariantes" da economia global. Por trás desse discurso há uma segregação intelectual nada comparada ao emergente crescimento social e econômico tupiniquim. Os ideários que a sustentam estão entranhados nos modos de organização, via de regra instrumental, das instituições brasileiras em todos os setores. E o da educação não é diferente.

Economia e conhecimento
O novo salário mínimo deve impactar nas classes sociais mais baixas, sobretudo na chamada "classe média". E não é de hoje que o mercado brasileiro tem voltado olhares para os níveis de renda crescentes de um extrato social capaz de movimentar a economia no atacado. No setor educacional, sobretudo o privado, produtos e serviços voltados para a "classe C" são vistos como solução para uma "crise educacional" ainda mensurada por uma economia de mercado. Na superficialidade do tema surge a excessiva preocupação com a formação humanística das escolas tradicionais do ensino superior, formação esta que "atrasa" o preenchimento de vagas num carente setor produtivo.

O processo de distribuição de renda no Brasil contrasta com o acesso ao sistema de formação de nível superior. Talvez por conta de uma estratégia, não de um contexto caótico. O Brasil, a China e a Índia (não necessariamente nesta ordem) viraram uma espécie de oásis de oportunidades num mundo de restrições culturais, perplexo com uma agonia há muito anunciada por pensadores que sequer sonhavam com a concretude de suas prospecções. Como nossas "ficções invariantes" nos impulsionam para uma corrida desenvolvimentista cuja base é a "economia do conhecimento", o acesso às oportunidades exige mais velocidade que equidade.

Assim como a mão de obra qualificada estrangeira, a formação de uma elite intelectual tem nome e sobrenome, tem grife financiada pelo Estado para a geração de ativos que fomentem commodities cujos dividendos rendam mais política do que socialmente. Na "outra ponta" está um passivo que precisa se qualificar e ao qual o financiamento do Estado depende do mérito individual dos interessados. A lógica sustenta a expansão do ensino técnico e tecnológico como solução para a melhoria dos índices de avaliação social e econômica, imputa às instituições públicas a excelência na formação das elites intelectuais e ao "resto" do sistema educacional de nível superior a formação para o mercado por uma questão de sobrevivência.

Números do Censo da Educação Superior tem sido sempre crescentes, com
pequenas variações. Na última década, a principal característica foi o
crescimento acentuado da ociosidade de vagas no ingresso ao sistema.
Os percentuais indicam a quantidade de vagas não preenchidas ano a ano.
Clique na imagem para ampliar.

Ensino e consumo
Relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta um aumento de 156% nos rendimentos para quem faz curso superior no Brasil. Não por acaso a taxa de escolarização bruta (taxa de matrícula calculada pelo total da população do país no ensino superior em relação à população com idade universitária) é de apenas 27%. Os dados oficiais do Censo da Educação Superior em 2010 indicavam 5.449.120 de estudantes matriculados, 73,18% na rede privada. Hoje estima-se que haja cerca de 1 milhão de estudantes a mais. A meta do governo é chegar a 11 milhões em 2020.

A julgar pelos relatórios promovidos pelas organizações que respondem pela economia mundial, a educação é encarada como objeto de desejo. É pelo consumo da educação que os índices sofrem alterações. Na década passada, a demanda latente cresceu quase que na mesma proporção do número de matrículas. Contudo, tal demanda conta com as vagas ofertadas e não preenchidas quando do processo seletivo. Setenta por cento dos 5.108.690 candidatos que não ingressaram no sistema em 2010 não tinham mesmo vaga. Os demais, 1.529.980, não ingressaram por questões financeiras, visto que apenas 2,46% deles tinham disponibilidade em instituições que não cobram mensalidade.

Na década passada houve um crescimento significativo na demanda pelo
ensino superior brasileiro. Com as mudanças ao processo seletivo via ENEM
os números na próxima década tendem a ser mais próximos da realidade,
visto que o sistema de seleção é unificado. Em 2010 houve crescimento
tanto no número de candidatos quanto no de não classificados. E diminuiu,
ainda que pouco, o número de vagas não preenchidas. Clique no gráfico
para ampliar.

Estamos diante de um quadro bastante complexo. Para chegar aos patamares propostos no Plano Nacional de Educação, o governo federal terá de contar com o setor privado. Ainda que haja esforços quanto ao financiamento de bolsas de estudo e políticas inclusivas para população carente, ainda que haja o esforço de melhorar a estrutura do serviço público em educação superior, as metas são ambiciosas e inatingíveis se mantivermos os mesmos índices da última década. Para se ter uma ideia, não foram preenchidas 49% das vagas ofertadas no sistema no fim da última década. Mas a questão principal não é bem esta. Os esforços de resposta ainda enfatizam a educação como bem de consumo.

Para quem é a educação, afinal? Como direito inscrito na Constituição Federal ela deve oferecer perspectivas, estimular novas formas de organização social e traduzir-se numa política de desenvolvimento humano. Distribuir renda e fazer a economia girar nos patamares dos exemplos mais "desenvolvidos" não é, exclusivamente, sinônimo de crescimento. Tampouco a educação, descontextualizada, é índice para aferir os níveis de desenvolvimento de um "povo". A educação é um bem cultural cujo símbolo está no caráter formativo (e não apenas intelectual), no reconhecimento da diversidade enquanto riqueza (e não apenas no caráter desenvolvimentista) e, sobretudo, no conhecimento enquanto patrimônio coletivo (e não apenas enquanto commodity de uma economia de mercado).

O desafio maior, como disse no fórum sediado pela Grécia o "presidente" da Universidade de Lisboa, Antonio Nóvoa, é "reorganizar [as universidades] de maneira que estejam conectadas aos problemas locais". Isso implica estimular o acesso ao conhecimento gerado e socializado nestas instituições, o que significa promover a geração do conhecimento junto com a sociedade. Universidade não é sinônimo de graduação e pós-graduação; não é propriedade de uma elite intelectual; e não deve estar compromissada apenas com a parte mais tenra dos projetos de desenvolvimento no país. Enquanto ela for só para os "mais bem preparados" em dar respostas ao sistema, não há como pensar em desenvolvimento humano. O Brasil precisa de uma educação superior resistente à segregação intelectual que reproduz o mercado dentro do próprio sistema.



A CM Consultoria apresentou no ano passado uma proposta no Congresso Brasileiro da Educação Superior 
Particular um estudo com indicações de como atingir as metas do Plano Nacional de Educação para a 
próxima década, no que tange ao ensino superior brasileiro. O estudo contém muitas informações interessantes
mas tem o viés mercadológico, que enxerga a educação como bem de consumo. Quantitativamente, a 
proposta é viável. Qualitativamente, não é objeto do estudo.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Educação, protagonismo e desenvolvimento humano

Tentei instigar o sentido do a priori quando argumentava sobre premissas para um ano que vem. Este novo ano chegou e as "ficções invariantes" já estão temperando projetos e sonhos. Há estimativas de quanto vamos deixar de crescer economicamente, comparações especulativas quanto à situação brasileira na geopolítica dos mercados, prognósticos e receitas para quem quer se dar bem, conselhos para a política brasileira, polêmicas sobre o estado democrático (de fato e de direito), futilidades, tragédias e muita chuva. Em pauta, os mesmos medos, as mesmas frustrações, as mesmas resignações. Mudaram as circunstâncias. Na educação, especificamente, há muito o que pensar.

Aloizio Mercadante assume a pasta da Educação num cenário tão promissor quanto controverso. Houve avanços significativos na última década em termos quantitativos. Qualitativamente, contudo, os dados não foram tão estimulantes. Pelo menos não no ranking dos organismos internacionais que atestam os índices para o setor. É fato que ainda estamos muito aquém de países em desenvolvimento menos acelerado. Eis aí uma primeira "ficção invariante". No Brasil, valorizamos mais as experiências da China (ou de qualquer outro país de ocasião) do que nosso próprio ritmo de resposta aos problemas que nos afetam.

Como ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Mercadante
estabeleceu estratégias que não incluem a formação em 
Ciências Humanas e Sociais. Melhor para a tecnocracia acadêmica
brasileira, inscrita num promissor "mercado científico".
E como Ministro da Educação? 

Lá, com a economia galopante, os prognósticos ocidentalizados misturam admiração com previsões cautelosas. Como somos focados em projetos (e o da China permanece um mistério), construímos argumentos com base em percepções muitas vezes distorcidas pelo nosso próprio modo de ver as coisas. Não há nada de ruim nisso, é verdade. A não ser pelo ranqueamento dos padrões de resposta obtidos em relação aos esperados nas análises e prognósticos. O crescimento da China é tão ocidental quanto os a priori que assentam suas possibilidades.

Na educação, depois que a província de Xangai bateu todos os concorrentes nos testes do PISA (Programme for International Student Assessment), uma aura de exotismo paira sobre as salas de aula dos disciplinados chineses. O interessante é que o "modelo" chinês traz evidências de medidas já adotadas nos Estados Unidos e que estão sendo contestadas por seus próprios especialistas. Excesso de disciplina, de conteúdo, de preparação para provas, de competitividade acadêmica, de mercantilização do conhecimento... Não há nada de novo no "modelo" chinês. Nada que ateste uma proposta "inovadora". Só os resultados aos padrões de resposta propostos pelos organismos internacionais é que foram melhores. Significa que estão se ocidentalizando?

Currículo e ocupações
No Brasil, acirra-se o debate sobre a adoção de um currículo nacional para a educação básica, apontada como a bola da vez na próxima década, juntamente com o ensino superior em tecnologia. Os argumentos na questão do currículo ("ficções invariantes"?), em síntese, dão conta de promover uma formação básica mais paritária em todo o país, dadas as gritantes diferenças nos índices aferidos nos exames promovidos pelo Ministério da Educação. Parece haver aí também uma preocupação com a formação mais homogênea de professores "capacitados" para contribuir com o desenvolvimento pela via da educação.

Há uma questão central no debate sobre currículos que muito raramente entra em pauta. Que perspectivas as escolas vão abrir para que cada um de seus estudantes elabore trajetórias singulares, que tenham a ver com sua realidade e expectativas? Que tipo de formação se pretende? O que se pretende cultivar em termos humanos e sociais? Geralmente os currículos são estruturados com base nos conteúdos e nos métodos necessários para a aprendizagem. Mas não se ensina respeito às diferenças sem convívio com o diferente; não se ensinam valores sem que os espaços de aprendizagem permitam negociá-los; não se ensina aquilo que é próprio da formação. Formação se desenvolve, não se aprende.

Em depoimento no início do ano passado, a presidente Dilma Roussef discursa,
confirmando todas as referências para um projeto de educação moldado aos
padrões propostos pela perspectiva de tecnologização do ensino.

Conteúdos mínimos e disciplinas indispensáveis, seja com que percentuais se queira comuns, se põem a atender primeiramente à gestão do processo. Como os chineses de hoje, pensa-se nos padrões de resposta que legitimam as "ficções invariantes" de uma economia global. É nisso que a China, o Brasil, os países  emergentes e os decadentes estão focados. É preciso aumentar o nível de resposta aos padrões esperados, subir nos rankings que favoreçam o crescimento econômico, a oportunidade para todos. Só que não se faz isso sem Política. Queremos ser os Estados Unidos de 20 anos atrás daqui 10 anos? Queremos o nível de vida dos europeus de hoje, daqui 20? Queremos o crescimento econômico da China? As perguntas não são tão retóricas quando se trata de currículo.

Aloízio Mercadante na Educação pode representar a ampliação do "mercado científico" num projeto de formação. Três premissas fundamentam a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação  elaborada pela equipe de Mercadante no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para os próximos três anos: o governo brasileiro vai promover a inovação, capacitar recursos humanos e fortalecer a pesquisa e a infraestrutura científica e tecnológica. Não há espaço para as Ciências Humanas e Sociais. Ao que parece, o mesmo equívoco na formação de professores tecnocratas repete-se na de cientistas. Estamos atrás de commodities, de patentes, de todas estas "ficções invariantes" da economia que simulam percentuais de desenvolvimento.

Precisaríamos inscrever Ciência e Tecnologia na perspectiva do desenvolvimento humano (não só econômico). Sendo assim, o sentido de inovação estaria na nossa capacidade de cultivar referências que nos dêem perspectiva de viver com as diferentes maneiras de conhecer, de enfrentar problemas, de criar disponibilidade para os possíveis diante deles, de gerar sentidos novos na agenda social. Nossa proposta para as ocupações no Século XXI não deve ficar restrita a programas pontuais (mesmo que necessários para o momento). O debate sobre o currículo para a educação básica pode ser a oportunidade de nos trazer de volta a uma perspectiva de formação mais humana e menos voltada a capacitações de momento.

Demanda latente
Acompanho os censos na educação brasileira há algum tempo. Em 15 anos a taxa candidatos/vaga no ensino superior caiu de 4,3 para 2,1. Os especialistas atestam uma "saturação no mercado educacional", evidenciando que não há mais demanda reprimida no setor. A demanda agora é latente. Mas acompanhe no gráfico: o número de concluintes no ensino médio (linha azul) vem se mantendo em níveis relativamente estáveis nos últimos 10 anos. Contudo, em 2000, o número de vagas ofertadas (linha dourada) por Instituições de Ensino Superior era menor. Dez anos depois, o número de vagas é quase o dobro do de concluintes no ensino médio.

É interessante notar também que o número de inscrições para ingresso efetivadas no Ensino Superior (linha vermelha), nestes 15 anos, nunca alcaçaram o número de vagas. Sempre houve déficit na relação inscritos/vaga. De 0,76 em 1995, a taxa chegou a 0,51 no último censo divulgado. Significa que metade das vagas oferecidas no Ensino Superior brasileiro não é ocupada. Ainda que o número de candidatos a cursos de nível superior (linha verde) tenha mais que dobrado neste período. O cenário nos mostra um  afunilamento justamente na passagem da educação básica para a de nível superior.

Em 15 anos, o Brasil estancou o acesso ao sistema de educação superior.
O número de candidatos continuou crescendo, o número de vagas em
oferta também, mas o número de inscritos estagnou-se. O sistema ainda
estaria muito focado na oferta de cursos para concluintes do ensino médio?
Para visualizar melhor, clique na imagem.

Não dá para pautar uma análise profunda em um único gráfico. Mas as "verdades" com estrutura de ficção induzem a pensar soluções ainda muito ortodoxas para um problema que não está mais na esfera das respostas dadas. A política educacional brasileira tem optado pela valorização das universidades públicas, consideradas mais bem estruturadas, em detrimento do ensino privado, ainda visto como de menor qualidade. Não vamos confundir o sentido republicano de "público" com o que "é mantido pelo Estado". Falta no Brasil, justamente, uma educação pública, acessível a todos. Isso depende estruturalmente de uma política que valorize o desenvolvimento humano, seja de/para quem pode seja de/para quem não pode pagar os estudos.

Se considerarmos a relação entre candidatos/inscritos (4,2 em 2010), veremos que está muito próxima da taxa candidatos/vaga de 15 anos atrás (4,3). Neste período, não houve propostas de mudança quanto ao sistema educacional. Ainda mantemos os mesmos patamares de seletividade excessiva, seja pela via intelectual seja pela via econômica; ainda partimos do pressuposto de que ensino de nível superior é uma sequência do ensino médio e para poucos; ainda pautamos os valores da formação na empregabilidade e no desenvolvimento para o consumo. A educação virou um grande negócio (também para as universidades públicas e para o governo) e é a base para a chamada inovação.

As políticas públicas (aqui lidas como estatais) fundamentam-se na necessidade emergente de mão de obra  qualificada como formação de nível superior no curto prazo. Estamos fazendo isso também com a docência; professores formados pela necessidade de titulação imposta pelos parâmetros de aferição quantitativa não dão conta da responsabilidade de orientar na educação para um mundo sobre o qual sequer conseguem enxergar. O investimento em graduações tecnológicas precisaria trazer consigo a ideia de que a tecnologia é um fenômeno cultural, essencialmente humano. É também com ela que o humano se desenvolve.

O sistema educacional brasileiro está estrategicamente dividido em nichos para atender aos "diferentes públicos" e aos diferentes interesses por formação. As elites intelectuais ainda saem das poucas universidades ranqueadas no exterior. Como no mercado de ações, os ativos do conhecimento flutuam num jogo em que quanto mais se aumenta a demanda, mais se valoriza a oferta. O acesso a eles ainda depende do capital intelectual ou do capital financeiro que pudermos, enquanto indivíduos, acumular no sistema educacional. Dizem as "ficções invariantes" que o ensino público valoriza o capital intelectual, o que gera commodities e patentes para elevar o nome das instituições que nele estão; o ensino privado prefere o capital financeiro em troca de empregabilidade.

Quanto mais gente fora, mais competitivo é o sistema educacional, mais valor tem o mercado de titulações. Nos últimos 15 anos, dá para perceber, aumentamos a demanda latente (já não mais reprimida porque há uma quantidade significativa de vagas não preenchidas); afunilamos o ingresso às instituições que "merecem" crédito. Só não atingimos os patamares de resposta da China nos testes de desempenho tampouco temos universidades entre as melhores do mundo. Haveremos de conseguir? Talvez. Se continuarmos defendendo o colonialismo científico e a dependência econômica sobre commodities, pode ser mais rápido do que imaginamos. O preço, contudo, será a falta de protagonismo num dos setores mais importantes para qualquer organização social contemporânea.