terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Premissas para um ano que vem

Eis o momento de rever. Nossos rituais inventados são como portais; através deles os horizontes se abrem ou se fecham. Ou nos lançamos ao devir ou ao logo ali adiante, num futuro de certezas projetadas, fiéis aos esforços necessários para empreendê-lo. Há quem considere o devir um devaneio. A esses, o controle dos gestos, dos laços, dos afetos é imprescindível. Nos é possível não controlá-los, penso eu, inscrito na mesma mistificação ideológica que contradigo.

Slavoj Zizek, num dos livros revistos nos meus rituais de purificação, debrussa-se sobre a mistificação ideológica de que falo e solta todo o peso de seus indícios sob um passante desavisado:
Dito de maneira um tanto crua, a evocação da "complexidade da situação" serve para nos livrar da responsabilidade de agir. (...) A ideia de um sujeito plenamente "responsável" por seus atos, em termos morais e criminais, claramente atende à necessidade ideológica de esconder a complexa trama, sempre já operante, dos pressupostos histórico-discursivos, que não apenas dão o contexto do ato praticado pelo sujeito, mas também definem de antemão as coordenadas de seu sentido: o sistema só pode funcionar se a causa de sua disfunção puder ser situada na "culpa" do sujeito responsável. (...) em vez da mudança das relações sociais, busca-se uma solução na transformação psíquica interna, na "maturidade" que deveria habilitar-nos a aceitar a realidade social tal como é. (...) A lição teórica a ser extraída disso é que (...) a ideologia nada tem a ver com a "ilusão" (...); (...) a verdade tem a estrutura de uma ficção (...).
Perdoem os excessivos recortes na transcrição que fiz de Zizek. Mas, para fazê-lo dizer por mim o que pretendo, esse é o jeito que conheço. E por que fazê-lo dizer por mim? Há uma prosa legítima, uma aura mistificadora, uma ficção que me agrada neste texto. Ele sintetiza a simbologia do portal que se abre diante das escolhas até aqui feitas. Ao mesmo tempo em que me situa num devir generosamente incerto. E 2012 apresenta-se como um desses mistérios insolúveis. Podemos projetá-lo, podemos não.

Não sou muito de projetos. Prefiro articular os possíveis disponíveis que me forem inteligíveis diante das circunstâncias que se apresentem. Prefiro a cuidadosa leitura de cenários e de toda a ficção invariante que se puder perceber. Digo ficção invariante porque sempre há um a priori que não merece o tempo de quem é produtivo para discuti-lo. Como se o a priori já não fosse produto de consensos que se apagam. Parafraseando Zizek, todo a priori tem a estrutura de uma ficção.

Poder não projetar o ano que se avizinha é também um a priori aceitável. Nos põe em perspectiva o horizonte e uma periferia de percepções que todo projeto descarta de imediato. Nos amplia a diversidade de problemas cujas soluções não estão num menu de critérios delineados por especialistas excessivamente focados num objeto em detrimento dos contextos que os tornam (o objeto e o especialista) perceptíveis. Nos situa num oceano, à deriva, cuja angústia é proporcional ao potencial de liberdade quanto aos rumos a seguir.

Aonde quero chegar? Num ano de movimento intenso; de possibilidades cada vez mais amplas; de mistificações ideológicas que nos permitam, ao menos, mirar o horizonte e perceber as periferias; de poder não como potência; de ficções projetadas ou vividas em que todos estejamos reconhecidos e nos reconheçamos. Num 2012 em que as perspetivas sejam muito mais amplas do que os lugares já mapeados para chegada.
Aquilo que é potente de ser pode tanto ser quanto não ser. (...) Toda potência humana é, cooriginariamente, impotência; todo poder-ser ou -fazer está constitutivamente relacionado, para o homem, com a própria privação. (...) o homem é o animal que pode a própria impotência. (...) Se uma potência de não ser pertence originariamente a toda potência, será verdadeiramente potente apenas quem, no momento da passagem ao ato, não anulará simplesmente a própria potência de não, nem a deixará para trás em relação ao ato, mas fará com que ela passe integralmente nele como tal, isto é, poderá não-não passar ao ato.
A releitura de Giorgio Agamben sobre o conceito de potência em Aristóteles é a expressão de um mundo em que a dualidade "isso ou aquilo" se põe em ambivalência, "isso e aquilo". Esse sentido de movimento sobre as ideias, essa (des)mistificação ideológica, explicita o quanto o que se quer dizer depende de como interpretamos meros sinais. O que Aristóteles quis dizer importa tanto quanto o que somos capazes de julgar dito. Não há um só a priori.

Reconheçamos a potência de não agir como ato também responsável. Os gestos, os laços e os afetos que nos venham pelo (re)conhecimento de um coletivo transformado em social através da nossa capacidade de construir acordos, não consensos. As circunstâncias, que sejam "lidas" como situações em potência, não como obra do acaso ou da sorte, boa ou má. O devir, que nos emprenhe de um presente intenso, sem futuros projetados exclusivamente por sujeitos plenamente "responsáveis" por seus atos.

Porque não há respostas a priori para 2012.

2 comentários:

  1. Rituais de purificação? Devir? Me perdoe, Luciano!É muita filosofia para o último dia formal de trabalho de 2011. Minha mensagem será mais breve: FELIZ NATAL E UM 2012 REPLETO DE PLENAS REALIZAÇÕES, a você e a família! Aliás, terás um dia a mais para desenvolver seus projetos em 2012.
    Abraços,
    Ingo

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  2. Amigo Lu, não serei profunda como seu texto, apenas desejo que as possibilidades que se abrirão a cada um de nós em 2012 possam nos causar reflexões e nos lançar a novos desafios, mesmo que amendrontados diante do novo não nos paralisemos e sim nos lancemos a novos voos com a única certeza de que queremos encontrar novas possibilidades de fazer, ser e crescer espiritualmente e profissionalmente, contribuindo assim para dias melhores a todos nós! Grande beijo no seu coração e feliz natal a TODOS vocês! Fabi

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