segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O não lugar da instituição de ensino nos índices de desempenho educacional

Novo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirma um baixíssimo índice de concluintes no sistema educacional de nível superior brasileiro, em que pesem os investimentos estatais. Apenas 11% da população com idade entre 25 e 34 anos concluem o ensino superior. É certo que ainda estamos avaliando informações de 2007, que houve no Brasil um crescimento considerável nos gastos com educação neste nível de aprendizagem ainda sem resultados mensuráveis, e que tais estatísticas são lidas, grosso modo, como critérios de ranqueamento entre os países; para ficarmos com três argumentos suficientemente fortes quanto às consequências de análises decorrentes. Tentemos, então, ampliar um pouco o espectro.

Algumas Instituições de Ensino Superior que dependem de mensalidade têm optado por uma fórmula bem simples para aliviar o déficit financeiro: salas de aula e laboratórios cheios, menos professores e mensalidades mais baratas somam-se para garantir sobrevivência. O público-alvo são as "classes emergentes", com mais poder de compra em função da estabilidade econômica no país e ainda longe das possibilidades de acesso ao disputadíssimo sistema educacional financiado pelo Estado (talvez por isso uma "classe" pouco inclinada a resistências). A fórmula é controversa, claro. E o debate gira sempre em torno da antinomia "preço x qualidade", sustenta-se na perspectiva do ensino e não da aprendizagem, apela para o viés conteudista do processo e não para a formação.

Falta-nos ainda abrir a perspectiva para um debate mais preocupado com as possibilidades de reconhecer processos de aprendizagem e com a valorização de saberes. É fato que salas de aula cheias não são de todo prejudiciais, assim como o ensino a distância não pode ser execrado simplesmente por prescindir da "presencialidade". O problema está, justamente, em associarmos estas estratégias exclusivamente a modelos de negócio. É para uma solução econômico-financeira que adotamos tais procedimentos. Portanto, pensada como modelo de negócios, a superlotação dos ambientes de aprendizagem vira praxe, sustenta as regras de conduta e os programas de ensino.

Falta desempenho, sobra rigidez
Ampliemos um pouquinho mais o espectro: a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que traz dados de 2009, mostra um Brasil com duas vezes mais analfabetos que universitários. Segundo a PNAD, 7,3% da população brasileira é analfabeta e apenas 3,4% dela está no sistema educacional de nível superior (considerando também a pós-graduação). Percentuais tão extremos reforçam o excessivo afunilamento do sistema educacional. Cerca de 85% dos alunos do ensino fundamental e médio estudam em escolas financiadas pelo Estado; no ensino superior, os percentuais se invertem. O mais interessante é que as chances de ingresso no ensino superior financiado pelo Estado são maiores justamente para a minoria que cursa o ensino fundamental e médio em instituições privadas.

O tempo médio de estudo no Brasil é considerado baixo. A Síntese de Indicadores Sociais avalia que apenas metade dos jovens entre 18 e 24 anos concluem o ensino médio. O levantamento, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estaística (IBGE), sugere que a grande dificuldade para estes jovens é levar concomitantemente estudo e trabalho. Os indicadores não devem, claro, ser usados sem aprofundamento de análise e visão de contexto. Só os números não falam por si mesmos. Contudo, não se pode negar que no Brasil a excessiva rigidez do sistema educacional não tem contribuído com as intenções de melhorias nos índices.

Mesmo os privilegiados, estudantes que conseguem manter seu ritmo de estudos e chegar ao ensino de nível superior mais ou menos encaminhados nas áreas de interesse, mesmo estes enfrentam a rigidez do sistema quando comprovam que estão adiantados. Crescem os casos de estudantes que conseguem aprovação no vestibular antes da conclusão no ensino médio. Dependendo da escola em que estão matriculados e da média escolar, eles perdem a vaga por não obterem a documentação necessária para fazer matrícula na instituição de ensino superior em que foram aprovados. O tema merece discussão; o que não se pode aceitar é a objeção ao processo por falta de décimos na média escolar ou pela justificativa de que o estudante ainda não está pronto para o ensino de nível superior.

Sistema de não lugares
Talvez a grande característica do sistema educacional contemporâneo seja a falta de laços, de memória compartilhada e de identidade. As instituições de ensino organizam-se sem a análise contextual que permitiria enxergar os problemas que nos afetam. Há uma difícil tarefa de encontrar na superabundânica de fatores que caracterizam o mundo contemporâneo respostas para nosso convívio e para a construção de um espaço social que valorize experiências afetivas e desenvolvimento cognitivo. A escola está se tornando um não lugar: de comunicação, mediada pelas tecnologias, de circulação, em busca de diplomas e títulos, e de consumo, em busca de sucesso e ascenção social.

Enquanto lugar de comunicação, as instituições de ensino (em quaisquer dos níveis) precisam garantir o convívio social e a negociação de regras de conduta voltada para o espaço em que se dá a cultura; enquanto lugar de circulação, deve valorizar o conhecimento a partir do reconhecimento de múltiplos saberes e mapas culturais; e enquanto lugar de consumo (se não puder superá-lo) deve, pelo menos, avaliar alternativas quanto aos modelos de produção, inclusive para o ensino. Estudantes não são "passantes"; seus títulos não os credenciam para toda uma vida. Portanto, não é sobre os títulos que o sistema educacional deve organizar seus métodos de aferição. Os processos de avaliação não devem se restringir a instrumentos de gestão. São estes instrumentos os maiores responsáveis pela transformação da escola em um não lugar.


Marc Augé - Strauss from videoteca11 on Vimeo.

Entrevista de Marc Augé ao programa Milênio, da Globo News. Para entender os não lugares e suas decorrências.

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