terça-feira, 15 de junho de 2010

Jornalismo esportivo e esporte midiatizado: circularidades

Dia de futebol, "jogo" de Copa do Mundo e da Seleção Brasileira inspira uma reflexão sobre o jornalismo e sua relação com o esporte. Como produto, o jornalismo esportivo ganha algumas qualidades; é "jovial", "dinâmico", "leve", "alegre", "ativo" tanto na forma quanto no conteúdo. Caracteriza-se como um modelo de expressão e de apuração dos fatos voltado para um tipo específico de consumidor. Mas o esporte enquanto fenômeno contemporâneo não é qualificado pelo jornalismo; é qualificado pela mídia. Chamamos de esporte midiatizado o segmento da indústria da sociedade de consumo que propõe a convergência entre informação, publicidade e entretenimento e que gira em torno de eventos competitivos.


Circularidade discursiva também em "pequenas" mídias

Umberto Eco, em sua viagem à irrealidade cotidiana (1985), denominava de falação esportiva a amplitude exponencial dada aos eventos esportivos, a ponto de se chegar ao discurso sobre o discurso sobre o espetáculo esportivo. A circularidade discursiva descrita por Eco ganha dimensões ainda mais amplas no contexto atual. São "imagens espetaculares", lugares especialmente organizados para dar "cor" ao espetáculo protagonizado pela mídia, elementos outros que nada tinham de relação com o esporte, agora inseridos no modo de produção do "jogo". A prática desportiva tornou-se secundária diante do evento esportivo midiatizado.

Está na própria convergência o sentido de circularidade. As coberturas jornalísticas são agendadas em função dos eventos competitivos considerados relevantes, com hora marcada e intervalos regulares para viabilizar sua espetacularização. Deles nascem as informações e decorrem as repercussões que os movimentam. O jornalismo esportivo "chama" o público e divulga o espetáculo; constroi uma imagem positiva do evento para marcá-lo na agenda. Depois, narra-o a partir de uma produção requintada e com olhar "especializado", simultaneamente ao acontecimento. Por último estabelece os critérios de análise dos resultados e reconfigura o acontecimento; o "jogo" em si dá lugar ao discurso sobre ele. Publicidade, entretenimento e informação movimentam a circularidade discursiva.


Circularidade para além das mídias convencionais

Ilustrando: Brasil x Coreia do Norte, estreia da seleção de Dunga na Copa do Mundo da África do Sul. Eis a agenda. Antes, todo um "fundamento" sobre o comportamento do treinador, dos jogadores, sobre o clima da estreia, aspectos comuns a todas as agendas do gênero. Ainda que informações consideradas jornalísticas, não há como negar o caráter publicitário que assumem na preparação para o espetáculo agendado. No momento do "jogo", narração com recursos tecnológicos e estéticos peculiares voltados para a garantia de satisfação quanto ao discurso sobre o acontecimento. Análises e interpretações vão gerar material agora para envolver o público até o próximo "compromisso", contra a Costa do Marfim. O movimento circular retoma seu eixo inicial.

A Copa do Mundo não se resume a um "jogo", tampouco ao mês em que todas as atenções voltam-se para o país-sede. É justamente o crescimento exponencial da circularidade discursiva sobre o esporte que estimula uma indústria direta e indiretamente ligada à agenda. Uma economia que dá à Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) o status de organismo internacional comparado à Organização das Nações Unidas pelo montante de dinheiro que faz girar; uma economia que faz parar as nações quando seus "representantes" entram em campo. O esporte midiatizado, aqui especialmente o futebol, e o jornalismo têm sua origem e simbiose no processo de industrialização da sociedade. Cumpriram um importante papel disciplinar da vida moderna. Juntos, é bom que se diga.


O espetáculo não está mais no "jogo" em si. Não necessariamente

Mesmo que as estruturas sociais não sejam mais tão rígidas, que o mundo tenha diluído suas fronteiras e que a economia não esteja mais pautada por projetos de nação, mesmo assim, a midiatização do esporte não perdeu força. Como a globalização neoliberal, que reduziu o poder estatizante dos modelos sociopolíticos do Século XX, a midiatização do esporte centrou os investimentos na circularidade do discurso, da estrutura que o sustenta e dos recursos financeiros que a alimenta. Como foi possível perceber no "jogo" da Seleção Brasileira, não muito diferente de todas as outras estreias, a qualidade do espetáculo não está mais na prática desportiva que originou o produto Copa do Mundo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Plano Nacional de Educação na agenda política e eleitoral

Pensar a educação como um processo amplo não é mais uma visão de futuro; aliás, nunca foi a não ser na retórica político-administrativa. Na última década, o Plano Nacional de Educação propôs 295 metas para melhorar os índices brasileiros no setor. A principal, contudo, foi abortada na origem com o veto do então presidente Fernando Henrique Cardoso à proposta de chegarmos a 7% do Produto Interno Bruto investidos em educação. A justificativa todos conhecem: é "muito dinheiro". Concordando ou não com a medida, cabe reconhecer que é mesmo; sem uma política pensada neste processo mais amplo, muito dinheiro para atingir índices meramete quantitativos.

O Ministério da Educação já prepara uma versão do PNE para o período 2011-2020. E as perspetivas dependem de uma mudança no montante dos investimentos, atualmente na casa dos 4% do Produto Interno Bruto. As metas agora são mais ambiciosas: começar com os 7% não alcançados nesta década e chegar a 10% do PIB em 2014 (alguma associação com o ano da Copa do Mundo no Brasil?). O projeto deve chegar ao Congresso Nacional em agosto e suas bases estão estruturadas sobre as diretrizes resultantes da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada entre 28 de março e 1° de abril em Brasília. Em fórum legislativo se pretende garantir os recursos necessários para que, desta vez, as metas propostas tenham resultados mais próximos do proposto.

Na educação superior, o principal objetivo do PNE era inserir 30% dos jovens entre 18 e 24 anos no sistema de ensino, 40% destes em rede pública. O Ministério da Educação anuncia que até 2011 os índices devem ser alcançados, mas os dados são controversos. Na verdade, os índices importam bem pouco se relacionados aos aspectos qualitativos que ainda nos são caros. Segundo o MEC, o acesso ao ensino superior público quadruplicou nos últimos oito anos. Novas instalações, mais vagas e novas políticas de seleção contribuiram para a mudança no quadro. Professores da rede privada são atraídos novamente para a rede pública em busca de estabilidade e salários melhores, sobretudo para quem faz pesquisa. Mas o ensino continua sendo para os "melhores".

Garantir 10% do PIB para a educação tem lá suas prioridades; afinal, não se consegue atingir metas, mesmo as mais tímidas, sem orçamento efetivamente garantido. Contudo, o processo eleitoral talvez seja mais decisivo em função das referências ideológicas que caracterizam cada projeto político. Há uma diferença significativa nas propostas governamentais dos anos 90 e as da última década. Os dois partidos que protagonizaram essa diferença polarizam a disputa e vão definir, dependendo do projeto político, como os recursos serão aplicados; tenham o percentual do PIB que tiverem. E a agenda do Congresso Nacional pode estar comprometida com a corrida presidencial prioritariamente. A educação corre o risco de continuar na retórica político-administrativa.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Educação transnacional universitária, uma perspectiva

Se buscarmos as análises econômicas para o setor da educação, por mais divergentes em questões pontuais, haverá unanimidade quanto à potencialidade do mercado neste século. O pesquisador português Boaventura de Souza Santos, pensando a universidade no Século XXI, discute argumentos usados por organismos internacionais para estimular a transnacionalização mercantil da educação superior. No "comércio mundial de serviços", o setor educacional passou a constituir-se nas duas últimas décadas em fatia considerável se pensado pelo viés do mercado global.

Especializada em análise de serviços financeiros, a empresa norte-americana Merril Lynch enunciava na virada do século que, mesmo gigantesco, o mercado global da educação caracterizava-se por pouca produtividade, pela busca de tecnologia apesar do baixo nível de aproveitamento tecnológico, por uma gestão pouco profissional e uma baixíssima taxa de capitalização. Um mercado muito fragmentado cujo potencial de investimentos depende de novas áreas de valorização.

Há um modelo econômico pensado a partir do modo de vida dos países centrais em que, na concepção de Boaventura, as estratégias sociais de organização focam-se na necessidade de qualificação para o domínio das tecnologias. A chamada "sociedade da informação" é a base dessas estratégias. Neste contexto, as desigualdades sociais não estão em pauta. O uso das ferramentas para acesso à "economia do conhecimento" parte do princípio de que o direito a elas é livre, independente das oportunidades construídas coletivamente.

O "capital humano" é o motor dessa economia. Aptidões e capacidades cognitivas precisam ser trabalhadas para dar à informação um uso criativo e eficiente, colocá-la a serviço de "processos de reciclagem" exigidos por essa economia. Em outras palavras, é de formação permanente que ela precisa. O termo não pode ser confundido: uma coisa é formação, capacitação permanente para os lugares de ocupação dessa economia; a outra é educação permanente, um processo muito mais amplo de formação que põe essas aptidões e capacidades cognitivas sob o crivo de avaliações socioculturais e científico-tecnológicas mais responsáveis.

A saída para a desfragmentação desse gigantesco mercado, segundo os organismos internacionais de financiamento, depende de uma transnacionalização dos processos educativos; uma rede tecnológica capaz de transferir know how e formar capital humano através das tecnologias da informação e da comunicação, diz Boaventura. Contudo, essa estrutura pode também ser usada com o intuito de aproximar diferenças, construir oportunidades coletivas e acessíveis, sustentar projetos locais de desenvolvimento e criar políticas sociais de sustentabilidade.

As universidades, pelas características já enfatizadas aqui, têm "competência instalada" para usar as ferramentas de transnacionalização do processo educacional numa direção menos mercantilizada e para compor uma rede de múltiplos saberes capazes de mobilizar recursos cognitivos, estéticos e ético-morais no sentido de superar as desigualdades. Neste aspecto, Boaventura defende um novo modelo de conhecimento cujo "princípio organizador de sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada". Um caminho interessante para a recomposição dos critérios que hoje sustentam cursos de nível superior e seus programas de pesquisa e extensão.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A UNIVERSIDADE, sua identidade e a publicidade


Do faturamento das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas no Brasil em 2004, foram aplicados em marketing e comunicação 4,2%. Isso equivale a R$ 596 milhões, quantia mais que razoável. A questão é que, na época, 75% desse "investimento" destinou-se à captação de novos alunos, basicamente através de propaganda. Esse estudo da Hoper, contudo, já indicava e necessidade de mudança na alocação dos recursos destinados à área. Isso porque o relacionamento com os estudantes já inseridos no sistema educacional parecia mais coerente do que atrair uma demanda nova.

Estamos falando, claro, das instituições privadas. E, antes de mais nada, é bom ressaltar que há diferenças significativas ao se falar nelas. As IES com fins lucrativos ou particulares em sentido estrito obedecem a critérios empresariais de dar retorno fincanceiro aos investidores; já as sem fins lucrativos classificam-se pela vocação social de estarem vinculadas a pessoas físicas ou jurídicas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Há um terceiro tipo de fundação institucional cuja natureza jurídica é pública de direito privado. Signfica dizer que seu processo de gestão é similar ao das IES privadas que não visam o lucro, ainda que classificadas no sistema com o mesmo status administrativo das federais, por exemplo.

Um outro aspecto a ser considerado em qualquer análise relacionada ao setor é a organização acadêmica. Nem todas as IES são iguais ou respondem pelo mesmo status acadêmico. Interessam para este breve comentário as universidades. Isso porque tais organizações precisam oferecer formação em graduação e pós-graduação, com pesquisa e extensão associadas às políticas de ensino (vale um recorte específico em outra oportunidade). E há regras estruturais definidas pelo Ministério da Educação quanto a esse quesito; até 2013, todas deverão ofertar regularmente, além do ensino de graduação, 6 cursos de mestrado e 2 de doutorado.

A complexidade do sistema educacional brasileiro é fruto de uma trajetória repleta de nuances e ainda curta, se comparada a de países vizinhos na América Latina. Tais diferenças interferem diretamente no modelo de oferta de cursos, de gestão do processo acadêmico e na estrutura organizacional. Não dá para comparar uma universidade, com todo o peso das exigências que lhe são feitas, a outras IES. E o próprio MEC reconhece isso quando promove suas avaliações. O problema é que a complexidade aqui descrita não aparece nas campanhas de marketing ou nas estratégias de comunicação institucionais.

Faltam aos estudos na área certos fundamentos imprescindíveis para que se possa fazer uma análise mais profunda. As estratégias de comunicação e marketing têm obedecido aos critérios empresariais, como se educação fosse objeto de consumo. É lógico que as organizações privadas, incluindo as públicas de direito privado, precisam achar formas atrativas de convencer as pessoas que vale a pena investir nelas. Mas não pelo consumo. O negócio de qualquer universidade é o conhecimento, é o espaço de circulação estruturado em torno dele; é torná-lo patrimônio coletivo e garantir a educação como bem público, um direito republicano de acesso a esse patrimônio.

Quando as estratégias de comunicação e de marketing começarem a trabalhar a imagem institucional pela publicidade dos elementos que constituem sua identidade, talvez o sistema educacional brasileiro consiga superar o viés ideológico da dicotomia entre público e privado. O que é sinônimo de qualidade está associado ao direito público de acesso à educação e, portanto, as IES mantidas pelo Estado levam uma certa vantagem, independente de sua história e trajetória. Ao setor privado, relegado ao nicho de "mercantilista", ficam as "sobras" do sistema. Eis a interpretação de senso comum que as estruturas de marketing e de comunicação, pelo investimento que recebem, deveriam estar preocupadas em superar.

Há quem esteja fazendo isso, por um outro viés, mais inteligente, bem-humorado e, certamente, com orçamento bem mais modesto. As boas instituições privadas ajudam a formar o senso crítico proposto nos vídeos aqui anexados; falta usá-los em seu próprio benefício.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Política inclusiva e ingresso facilitado: UNIVERSIDADE para todos?

Há cerca de seis anos, um estudo do Núcleo de Apoio a Estudos de Graduação da USP mostrava um interessante aspecto da educação superior brasileira. Não obstante quaisquer generalizações e deduções apressadas, impressionam os dados revelados. Em 2004, ingressaram na Universidade de São Paulo mais moradores de uma única rua (Bela Cintra, na região dos Jardins) do que a soma de 74 bairros da zona Sul da cidade. A pesquisa ia mais adiante: nos dez anos anteriores, bairros que concetravam apenas 19,5% da população preencheram 70,3% das vagas para ingressantes na instituição.

Recentemente, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro divulgou os resultados de um primeiro estudo sobre seu sistema de ações afirmativas, pioneiro no Brasil. Os dados também são reveladores em alguns aspectos: o principal deles está relacionado à forma como os estudantes beneficiados pela política de cotas valorizam a oportunidade de ingressar numa Instituição de Ensino Superior. O estudo levanta aspectos positivos e negativos do processo, mas ajuda a elucidar que o grau de desempenho acadêmico não depende diretamente da forma como se ingressa no sistema.

Não foram poucas as vezes que ouvi professores expressando seu compromisso com o ensino apenas para os "melhores alunos". O princípio que fundamenta esse comportamento é o de que a universidade não é mesmo para todos; só para os mais bem preparados. Os dados de 2004 e os divulgados recentemente têm objetos distintos mas resultados semelhantes em termos de análise. Os mais preparados para enfrentar os processos seletivos da elite educacional são também de uma elite social e isso não parece novidade. O que há de novo no processo é a perspectiva de mudança quanto à visão preconceituosa a respeito dos estudantes beneficiados por políticas inclusivas.

Nas universidades privadas, com ou sem fins lucrativos, o processo de seleção para a maioria dos cursos não exige mais empenho significativo. Há vagas sobrando; portanto, o vestibular não mais expressa o acesso para os mais bem preparados. Decorre daí a interpretação generalizada de que a "mercantilização" do ingresso via processos seletivos menos rigorosos beneficiam estudantes desinteressados e incapazes de ingressar nas "melhores escolas". Política inclusiva e ingresso facilitado sofrem o mesmo tipo de menosprezo: não condizem com a tradição elitizada do sistema de ensino superior.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Decorrência da PESQUISA universitária: patrimônio coletivo ou propriedade intelectual?

Corria outro dia por entre links na rede. Buscava informações para uma palestra na Semana da Integração Docente e Discente na universidade em que trabalho. Impressiona ainda o excesso de desconfiança acadêmica sobre as possibilidades dessa ferramenta. Mas esse é outro assunto. Queria algo que pudesse ilustrar a importância de se construir argumentos sólidos sobre a ideia de universidade na contemporaneidade. Encontrei uma aprensetação organizada por professores da Escola Superior de Propaganda e Marketing que, num dado momento, relacionava a atividade de pesquisa com a economia do conhecimento.

A relação é chave: segundo os dados sustentados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), 89% da produção de pesquisa brasileira está nas universidades. Comparado com países em franco crescimento, como a Coreia do Sul, e potências reconhecidas, como os Estados Unidos, o Brasil está em desvantagem. Nestes países, maior parte das pesquisas é financiada por empresas (87% nos EUA, 69% na Coreia). De acordo com o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), a Coreia e o Brasil estavam "empatados" em número de registro de patentes em 1980 (30 cada). A reconfiguração na Coreia foi significativa para a mudança no quadro: 20 anos depois, a Coreia detinha 3600 patentes registradas e o Brasil, 96.


Por que o preâmbulo? Estamos evidenciando o contexto enfrentado pelas universidades no mundo inteiro em relação à sua, digamos, vocação. Como instituição social, a universidade construiu uma identidade vocacionada para a socialização de conhecimento como patrimônio coletivo. Conhecimento este estruturado por saberes universais, responsáveis por um futuro humanamente aceitável. Não é para a propriedade intelectual que esta instituição está voltada; pelo menos, não deveria. Os dados enfatizam isso. Países que desenvolvem patentes via ciência e tecnologia, o fazem por outras instituições, estas oriundas do modelo econômico que valoriza a propriedade, neste caso, intelectual.

Não se está querendo dizer que as universidades não devem entrar neste território. Não devem entrar inocentemente, pensando apenas nas alternativas de financiamento. Pesquisas para o setor produtivo, digo empresarial, tendem a não valorizar os aspectos socioculturais que, via de regra, põem em cheque os interesses primeiros em relação aos próprios resultados. Se a universidade vai se apropriar intelectualmente de uma nova tecnologia, que o seja para resguardar o uso responsável das ferramentas decorrentes. Neste caso, os princípos educativos têm como articular saberes universais e conhecimentos instrumentais. Instituição e organização completam-se pelo caráter recíproco dos elementos que constituem sua sustentabilidade.

Claro que é preciso ressaltar diferenças entre organizações públicas e privadas. Numa outra oportunidade.

domingo, 6 de junho de 2010

UM debate sobre a UNIVERSIDADE

Saberes universais x conhceimentos instrumentais [Luciano Bitencourt]

Há alguns meses não estabeleço conexões na rede de ideias deste blog. As justificativas são inúmeras, mas nenhuma boa o bastante. A questão é que sempre existe o tempo das reflexões; aquelas profundas, que redirecionam o fazer cotidiano e as projeções para a vida. Mergulhado em pesquisa e avaliação sobre educação superior no Brasil, não dei a atenção que gostaria para o espaço de registro desta experimentação em enunciados. O sentido de temporalidade no contexto que descrevo é nada cartesiano e cronológico. Diria que tive de dar um tempo pedagógico para a consolidação de meus argumentos. E é nesse tempo que recomeço minha compilação de curiosidades.

Na universidade em que trabalho estão em debate questões de fundo quanto à reforma de suas estruturas acadêmico-administrativas. E assim estão também as universidades brasileiras, envolvidas num desafio tanto mais difícil quanto mais se aprofunda nele. Importa nesta retomada reflexiva fazer algumas ponderações a respeito dos fundamentos. Primeiro, a própria ideia de universidade: seja pelos aspectos legais ou conceituais, uma universidade se destingue de outras instituições do ensino superior por oferecer formação em graduação e pós-graduação com desenvolvimento de pesquisa e atividades de extensão. E esta assertiva diz pouco.

Milenar enquanto instituição, a universidade contemporânea é uma organização que vive profunda crise, sedimentada no tipo de resonsabilidade social que assume. Enquanto instituição nasceu para cultivar os saberes universais, aqueles que dão à aventura humana um significado e uma trajetória preocupada com o patrimônio cultural de sua existência. Atualmente contudo, ao ensino superior recaem também as responsabilidades pelo conhecimento instrumental, aplicado a técnicas de ocupação em lugares definidos por uma estrutura de base econômica, pouco ou quase nada afetada por políticas sociais de desenvolvimento.

Foi com a sociedade industrial que a instituição universidade assumiu o compromisso de desenvolvimento científico e tecnológico; e enquanto organização segmentou os critérios de formação sociocultural, mais relacionada aos saberes universais, e os de formação sociotécnica, focada nos conhecimentos instrumentais. As concepções que alimentam o debate ainda estão atadas à estrutura de carreira acadêmica e seus processos avaliativos que constituem uma espécie de corporação e à estrutura de mercado desconsiderada em suas dimensões culturais e historicamente construídas.

Aprofundar estas questões torna-se fundamental para uma reconfiguração da universidade, seja instituição ou organização. Respeitando as temporalidades subjetivas que caracterizam a vida atual, passaremos a discutir os aspectos centrais desta temática. Não há aqui pretensões didáticas. O propósito é a construção de um enunciado experimental, como argumenta Isabelle Stengers, propondo os pontos de conexão possíveis para uma outra percepção quanto ao que chamamos de educação superior. Ao mesmo tempo, traremos materiais que a rede (a social e a prótese técnica) já nos disponibilizam.