segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ensino superior no Brasil, seus avanços quantitativos e incoerências qualitativas


Educação superior é objeto de desejo na atualidade. Claudio Porto e Karla Réginer, em trabalho sobre os cenários para a educação nas próximas décadas, sustentam que essa característica diz respeito aos critérios de desenvolvimento econômico e aumento de produtividade das nações contemporâneas por um lado, e a fatores de mobilidade social e perspectivas de melhoria de renda individuais por outro. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no último relatório divulgado sobre o Panorama Educacional (Education at a Glance 2009), reforça a afirmação.

A pesquisa traz dados entre 2006 e 2007 de 36 países e mostra que o impacto do diploma de nível superior no Brasil tem pesos diferentes, dependendo do contexto em que se avalia. No âmbito das propostas nacionais de desenvolvimento e produtividade, os índices em educação são os mais baixos: apenas 10% da população entre 25 e 34 anos concluíram um curso superior. Por outro lado, quem chega ao diploma tem perspectivas de aumentar em mais de 100% o nível de renda; índice mais alto entre os países pesquisados. Os dados são sem dúvida relevantes, mas preocupam. Não pela discrepância numérica apenas; os ideários que carregam expressam o tipo de competitividade a que hoje estamos submetidos.

De acordo com a OCDE, o investimento em educação é um fator que pode ajudar os países a vencer a crise econômica. Nos últimos anos o Brasil teve um acréscimo substancial nos níveis de aplicação de recursos na área. Entre 2000 e 2006, levando-se em consideração todos os níveis de ensino combinados, houve um crescimento de 57% nos investimentos, percentual muito superior à média dos demais países. Contudo, o percentual do PIB destinado à educação (4,9%) é o mais baixo. Leve-se em consideração ainda que o país investe 6,5 vezes mais no ensino superior que no ensino básico. Além da alta competitividade, a formação está invertida. Entende-se que Ciência & Tecnologia são a bola da vez; por isso a pesquisa na ponta.

Bem, chega de números. O relevante nesta questão é que, pelo viés econômico, estamos valorizando o aumento de índices importantes, sem dúvida, mas que alimentam disparidades de proporções idênticas. Para que se atinja metas ousadas como as descritas nos planejamentos e projetos nacionais em educação, os padrões de mensuração a elas dirigidas estruturam-se pela quantidade. Dados como os divulgados pela OCDE não podem estar dissociados das políticas sociais enquanto critério de análise. O Brasil mostra-se incoerente no sistema de ensino e ainda vive de pré-conceitos sobre o público e o privado.

As Instituições de Ensino Superior Públicas Federais, mantidas pelo Estado, estão em expansão. Há uma opção estatal pela valorização do ensino gratuito de nível superior. Mas o ensino de base está entregue ao setor privado, que mantém condições mínimas de investimento em seus professores, na infra-estrutura e nas estratégias de ensino-aprendizagem. A engrenagem funciona ainda como foi pensada no final da década de 60, quando o Governo Militar estruturou uma reforma baseada em instituições diferentes para as elites e para "as massas".

O ensino superior pode contribuir com um ambiente que ajude a pensar e construir oportunidades; não há desenvolvimento econômico sem engajamento social, sem preocupações políticas com a garantia das oportunidades a serem criadas para todos. Aproximar as diferenças talvez seja o melhor caminho rumo ao desenvolvimento. Não o econômico; este é decorrência. Mas o de oportunizar espaços sociais preocupados com a cooperação, a participação, as ações de alteridade. Aliás, algo que precisamos aprender a ensinar hoje; sejamos "públicos" ou "privados".

domingo, 20 de setembro de 2009

Debate antropofágico no jornalismo e os mitos da tecnocracia educacional


Controlar variáveis para uniformizar resultados e verificar a eficácia de objetivos específicos tem sido, na concepção do pesquisador espanhol José Felix Angulo Rasco, basilar para os processos de inovação no ensino, sobretudo o superior. É para a tomada de decisões conforme o esperado que estão voltados indicadores, avaliações e inspeções. Resultados homogêneos são mais fáceis de aferir; as provas do vestibular, do Enade, do Enem são exemplo: estão para a competitividade seletiva e não para o conhecimento. Assim não fosse, listas classificatórias não seriam usadas como marketing institucional das "escolas" que melhor preparam seus alunos. Tampouco o Ministério da Educação as usaria para valorizar as instituições estatais.

Rasco, abordando um estudo de E. R. House em 1981, também sugere que há três mitos sustentados pela visão tecnocrática de inovação a serviço da homogeneidade e do controle. O primeiro é o da transferibilidade, segundo o qual toda inovação oferece uma "solução com alta capacidade de generalização" cuja possibilidade de transferência para qualquer lugar é incontestável; o segundo mito, o dos especialistas, pressupõe que qualquer processo de inovação depende de investigadores especializados, que dominam os saberes em questão "para orientar as decisões sobre os cursos de ação possíveis". Por fim, considera-se que os interesses individuais e coletivos dos "receptores das inovações" e dos "grupos da decisão" estão em consenso.

A Comissão de Especialistas instituída pelo Ministério da Educação para propor novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Jornalismo, diga-se, esforçou-se para superar esses mitos. Mas é evidente que não há como: primeiro porque tais mitos dizem respeito a um processo que sustenta a necessidade de controle das variáveis inerentes ao que se propõe. Não gerou uma relação de reciprocidade entre o centro de cálculo e as periferias: as audiências públicas foram feitas no Rio de Janeiro, em Recife e em São Paulo, coincidentemente, locais de atuação da grande maioria dos membros da comissão; estes, aliás, são especialistas entre especialistas (não há na comissão representantes de outras esferas institucionais senão a da mais alta casta acadêmica cujos saberes na área são legítimos). Depois porque precisava dar respostas rápidas ao MEC, não à sociedade.

Nesse sentido, entende a comissão que a autonomia didático-pedagógica das Instituições de Ensino Superior "constitui imperativo para a reciclagem dos seus projetos pedagógicos" desde que o jornalismo não esteja vinculado à "comunicação social". Solução que se propõe "transferível" a qualquer lugar, que supõe-se adequada a todas as ações em curso e que sustenta-se pelos anseios comuns a todas as instâncias de representação na área acadêmica e no campo de atuação profissional. Mas é bom que fique claro: as premissas não estão em debate; e nunca entraram. O resultado do trabalho da comissão é fruto do "estado da arte" (e quanto a isso não se discute o mérito) em jornalismo, não da arte propriamente dita.

Internamente, o debate é antropofágico; legitimados "os de dentro", assume-se a postura de que as críticas forçosamente são dos que olham para o campo jornalístico com desconfiança, não levam em consideração sua "maturidade teórica" nem o "reconhecimento social" de sua importância, confundem as teorias do jornalismo com as teorias gerais da mídia. Sim, tudo isso deve ser levado em consideração. Mas não se pode desconsiderar que há jornalistas na academia em busca de outras explicações para a inserção do jornalismo na sociedade. Infelizmente, a eles o Estado da arte não abre o debate dentro do campo. Só o faz para devorá-los ou regurgitá-los.

sábado, 19 de setembro de 2009

Jornalismo e democracia, linguagem e poder, novas diretrizes e velhos paradigmas


Vem a calhar o Relatório da Comissão de Especialistas instituída pelo Ministério da Educação que propõe novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo. Ele dá materialidade para os temas que temos desenvolvido aqui. Enfatize-se a importância do processo que procurou "democratizar" o debate e ouvir os "anseios" das "entidades sindicais e acadêmicas", ainda que só as "defensoras do ensino de qualidade". E é por aí que começo minha reflexão: o preâmbulo do texto da comissão é a maior evidência de que estamos construindo lugares êmicos no contexto do jornalismo. É como uma defesa: contestar a proposta apresentada é posicionamento idêntico ao de não defender o "ensino de qualidade" e, por consequência, estar fora.

Como novas exigências sociais, o documento aponta a necessidade de ênfase formativa no "domínio das técnicas e artes da narração quanto (...) da lógica e das teorias da argumentação". Isso porque o jornalismo hoje "faz parte da atualidade, e a serve, como linguagem macro-interlocutória socialmente eficaz". Em suma, a salvaguarda do direito de expressão livre como voz da sociedade mantém-se assegurada pelo poder de mediação agora não mais entre esferas sociais, mas entre os discursos que as representam. Uma grande sacada para manter o status quo profissional, sobretudo quando está em cheque o lugar de ocupação do jornalismo na sociedade. O ato de mediar discursos ainda garante-se por intermédio de um discurso, esse sim, esclarecedor sobre o mundo. E a qualidade está na "consciência cívico-moral" que opera esses produtos discursivos.

A trajetória do jornalismo na "comunicação social" confunde-se com seu desajustamento na área de conhecimento denominada de "comunicação". De fato, áreas de conhecimento e campos de atuação profissional configuram-se por lugares distintos quanto aos saberes a eles relacionados e seus espaços articulam-se por uma série de habilidades ora similares ora complementares. A comunicação não se explica enquanto objeto; o jornalismo talvez sim. Isso porque o segundo está inscrito como atividade que se quer formal na contemporaneidade. Aliás, tal atividade só existe nessa condição. Para não se pulverizar no contexto da comunicação enquanto área, o jornalismo precisa cravar-se existencialmente como atividade mediadora necessária.

Cientistas sociais divergem sobre essa questão. Não por acaso; territórios epistemológicos foram demarcados ao longo de um debate antropoêmico que confunde a "comunicação social" enquanto campo de atuação e a "comunicação" enquanto área de conhecimento. Na mesma medida em que se quer formal enquanto profissão, o jornalismo se quer formal nos catálogos acadêmicos, reconhecido como forma de conhecimento que "qualifica" o senso comum. Formalizado ou não, o jornalismo continua distante de ser um exercício intelectual de interpretação do mundo.

sábado, 5 de setembro de 2009

Da impressão fria à expressão sensível; saberes e sabores

Você vê a música? O repórter fotográfico Paulo Pinto viu, no interior do Rio Grande do Sul, pássaros sobre fios da rede elétrica como notas musicais numa partitura. Uma imagem singular, registro de um momento até que comum no cotidiano de muitas cidades brasileiras mas despercebido pelos eternos "passantes" urbanos; a publicação, essa sim, incomum nos jornais de hoje, tão preocupados com a miséria do mundo. Ver notas numa partitura não é ouvir a música ali inscrita. É preciso ir além. É preciso saborear o tom das notas musicais, perceber o tempero de suas combinações.

O publicitário paulista Jarbas Agnelli entrou na fotografia e deu a ela texturas sonoras. Saberes então restritos aos campos profissionais do Jornalismo e da Publicidade ganharam dimensões novas, sabores que escapam à tradição do paladar. A comunicação é fascinante quando suas técnicas assumem o papel de ferramentas para expressar os sentidos; e só o fazem quando os sentidos estão em primeiro plano no contexto do que se propõe expressivo. A imagem não se explica por si mesma; nem a composição que dela teve origem. A explicação mesma pouco importa aqui.

Da foto que registra uma partitura do universo, Jarbas Agnelli fez um poema sonoro cuja autoria ele credita aos pássaros. Imagem, som e alma ubíquos, sem palavras. Jornalista e publicitário combinaram seus saberes. O olhar fotográfico foi reinterpretado pela sensibilidade sonora; arte audiovisual. Eis o sabor da descoberta.

Birds on the Wires from Jarbas Agnelli on Vimeo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O DESEJO de saber e o "saber" como OBJETO de desejo


Inscrições sobre inscrições [por Luciano Bitencourt]

A escrita nos separou da memória. Enquanto tecnologia, a palavra impressa nos ampliou o espaço de exploração de suas inscrições e nos reduziu o tempo da experiência. Por inscrições o antropólogo Bruno Latour entende o veículo pelo qual dois lugares estabelecem uma relação que legitima o que chamamos de informação. Para ele, há um carregar, um movimento em direção a um centro de cálculo necessário para a apreensão do mundo. Contudo, é importante reconhecer que nosso domínio intelectual, erudito, nosso controle não se dá sobre os fenômenos em si; mas sobre suas inscrições.

Pensando alto: sobre as inscrições que servem de veículo aos fenômenos depositamos nosso conhecimento. Mas parece faltar uma etapa nesse processo. O conhecimento inscrito no cotidiano de pouco nos serve se não estiver associado a ações concretas diante dos fenômenos que representa. É como um mapa; ele não nos diz para onde ir, mas nos mostra como chegar aonde escolhemos ir. O desejo de saber nos impulsiona; o conhecimento representado por inscrições resultantes desse desejo nos guia.

Na atualidade, entretanto, é o conhecimento objeto de desejo. E como objeto de desejo nele não estão inscritas as alegrias de nossas descobertas. O centro de cálculo não produz movimento. Ele não nos serve como referência; ele é o fenômeno. Significa dizer que nossas experiências, muitas vezes, estão circunscritas aos catálogos, às coleções, aos cânones. Uma biblioteca reúne a coletânea de conhecimentos produzidos. Ela própria não é conhecimento.

Assim como a disseminação da escrita, outros paradigmas provocaram rupturas sócio-históricas. Para além da inteligência e da memória, corpos, vozes e, porque não, a própria alma estão carregadas de ubiquidade. Falta-nos reconhecer o processo que nos leva às inscrições e considerá-lo em nossa "leitura" sobre o mundo. Falta-nos a contemplação; o mundo para nós é por demais abstrato, inscrito em suas referências legítimas, seus mapas fechados, sem linhas de fuga nem espaços vazios. Este é o desafio: a educação está para o desejo de saber, não para o conhecimento como objeto de desejo.

domingo, 23 de agosto de 2009

ESPAÇOS VAZIOS e os outros "lugares epistemológicos" do ensino superior


"As pegadas de uma continuidade que não se desmancha no ar", diz Cremilda Medina (O signo da relação), estão na "diáspora dos ex-alunos" que por ela passaram. Para o espaço social de aprendizagem, afetividade imprescindível. Há um vazio nos deslocamentos que dão forma ao chamado ensino de nível superior, justamente pela falta de "pegadas" multiformes, pela descontinuidade de um processo que não sustenta mais um "social orgânico". São os cânones e não suas reflexões, são os rituais sacralizados (diplomações, titulações, avaliações) e não os olhares profanos para o não visto que têm merecido atenção.

O que há nesse vazio? Lugares não percebidos confundem-se com inexistentes. Perceber o que preenche os espaços vazios depende de um "mapa mental" diferente. Mais ainda, entender que há a necessidade de os diferentes estarem próximos. O pesquisador Boaventura de Souza Santos (Pelas mãos de Alice) alicerça aí o argumento de que o ensino de nível superior precisa estruturar-se em "pontos privilegiados de encontro de saberes"; ambientes propícios para configurações resultantes desse encontro.

Espaços vazios estão cheios de potencialidade. Isso quando visíveis. Zygmunt Bauman (Sociedade individualizada) sinaliza que a "ansiedade da indecisão" pela liberdade traz também "as alegrias do novo e do inexplorado". E essa condição é fundamental para quem deseja "preparar-se para a vida". Significa, primeiramente, "conviver em paz com a incerteza e a ambivalência"; mas, sobretudo, opor-se às "comparações mensuráveis pela mesma unidade de medida". Aquilo que homogeiniza esconde os espaços vazios.

Se os lugares êmicos "regurgitam", os lugares fágicos "devoram" e os não lugares "passam", os espaços vazios estão no devir, num ambiente de negociações constantes quanto aos pontos de interface, em dimensões de uma constante cartografia e de paisagens que não privilegiam apenas os deslocamentos individualizados. Estamos falando de mapas mentais, concepções estruturantes de paisagens dinâmicas e complexas para além de imagens meramente registradas. Os espaços vazios estão no campo da imaginação, do potencialmente vivo enquanto utopia, capaz de reconfigurar os "lugares epistemológicos" do conhecimento.

sábado, 22 de agosto de 2009

Ensino superior e o "logo ali adiante" dos NÃO LUGARES


Registros em (per)curso [por Luciano Bitencourt]

Espaços de circulação, de consumo e da comunicação representam para o antropólogo Marc Augé o que ele chama de não lugares. Neles não se pode "ler, em parte ou em sua totalidade", a identidade, as relações e a história compartilhada de seus ocupantes. São lugares que apenas "autorizam, no tempo de um percurso, a coexistência de individualidades"; feitos para o conforto de um momento. Os não lugares expressam as tensões solitárias dos deslocamentos sem compromisso com o próprio espaço.

Há uma relação contratual entre os "passantes" e esses espaços, a partir de símbolos que legitimam o movimento. Mesmo junto com outros, os "passantes" estão sempre sós na busca de objetos de desejo para satisfação própria. Autoestradas e aeroportos enquanto espaços de circulação; supermercados e hotéis enquanto espaços de consumo; telas e cabos enquanto espaços da comunicação, todos expressam a metáfora dos não lugares. Mas o próprio Augé adverte que a definição destes espaços depende de quem os ocupa. Significa dizer que há espaços elaborados para um determinado fim que foram transformados por um sentido de ocupação despreocupado com os objetivos de origem.

No ensino superior, pode-se reconhecer, a metáfora dos não lugares também está presente. As perspectivas de diminuição de carga horária para encurtar a estada num curso superior, por exemplo, são um indicativo. Os cursos precisam oferecer passagem rápida para o que interessa: o ingresso no mercado de trabalho. Há, igualmente, um sentido de carreira que obriga o deslocamento rumo a títulos para legitimar um lugar de ocupação na estrutura acadêmica. Objetos de desejo, lugares de ocupação no mercado de trabalho ou na estrutura acadêmica dependem dos símbolos de uma relação contratual com "passantes": certificações, diplomas, títulos...

Os não lugares acadêmicos parecem ser estruturados pela falta de compromisso com o ambiente em que se inscrevem. Não há um sentido de construção coletiva, a não ser em pequenos nichos ou guetos. Não há multivocalidade no espaço que ainda se desenha como centro de produção de conhecimentos. E essa é, por princípio, a concepção de não lugar: nele "não há". O espaço das utopias, da percepção de potencialidades, do devir, esse espaço social de aprendizagens anda impregnado de "tensões solitárias", passagens efêmeras para o "logo ali adiante", seja ele qual for.