
Inscrições sobre inscrições [por Luciano Bitencourt]
A escrita nos separou da memória. Enquanto tecnologia, a palavra impressa nos ampliou o espaço de exploração de suas inscrições e nos reduziu o tempo da experiência. Por inscrições o antropólogo Bruno Latour entende o veículo pelo qual dois lugares estabelecem uma relação que legitima o que chamamos de informação. Para ele, há um carregar, um movimento em direção a um centro de cálculo necessário para a apreensão do mundo. Contudo, é importante reconhecer que nosso domínio intelectual, erudito, nosso controle não se dá sobre os fenômenos em si; mas sobre suas inscrições.
Pensando alto: sobre as inscrições que servem de veículo aos fenômenos depositamos nosso conhecimento. Mas parece faltar uma etapa nesse processo. O conhecimento inscrito no cotidiano de pouco nos serve se não estiver associado a ações concretas diante dos fenômenos que representa. É como um mapa; ele não nos diz para onde ir, mas nos mostra como chegar aonde escolhemos ir. O desejo de saber nos impulsiona; o conhecimento representado por inscrições resultantes desse desejo nos guia.
Na atualidade, entretanto, é o conhecimento objeto de desejo. E como objeto de desejo nele não estão inscritas as alegrias de nossas descobertas. O centro de cálculo não produz movimento. Ele não nos serve como referência; ele é o fenômeno. Significa dizer que nossas experiências, muitas vezes, estão circunscritas aos catálogos, às coleções, aos cânones. Uma biblioteca reúne a coletânea de conhecimentos produzidos. Ela própria não é conhecimento.
Assim como a disseminação da escrita, outros paradigmas provocaram rupturas sócio-históricas. Para além da inteligência e da memória, corpos, vozes e, porque não, a própria alma estão carregadas de ubiquidade. Falta-nos reconhecer o processo que nos leva às inscrições e considerá-lo em nossa "leitura" sobre o mundo. Falta-nos a contemplação; o mundo para nós é por demais abstrato, inscrito em suas referências legítimas, seus mapas fechados, sem linhas de fuga nem espaços vazios. Este é o desafio: a educação está para o desejo de saber, não para o conhecimento como objeto de desejo.
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