quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Diretrizes curriculares de jornalismo entre as distopias, as utopias e a miopia

Volto ao relatório dos especialistas nomeados pelo MEC para propor novas diretrizes curriculares aos cursos de jornalismo. Diz o documento que "nas expectativas da sociedade", além do "domínio das técnicas e artes da narração" e da "lógica e das teorias da argumentação", o profissional de Jornalismo vai precisar manejar competentemente "habilidades pedagógicas na prestação de serviço público". Isso para que os cidadãos tenham condições de "tomar decisões conscientes e responsáveis". No cerne do argumento está o Jornalismo como centro das esferas discursivas.

Em certa medida, o argumento desconsidera o profissional jornalista como cidadão. No momento em que o jornalista assume sua "identidade" profissional, cidadãos são os outros. Refletindo melhor: passa a ser uma atitude cidadã oferecer pedagogicamente aos outros as condições de assumir um papel que ele mesmo não tem como por causa de sua função. À serviço da atualidade "como linguagem macro-interlocutória socialmente eficaz", o jornalismo faz de seus profissionais pedagogos do cotidiano, agentes intermediários de consciências e responsabilidades que precisam ser assumidas por quem não tem recursos próprios para isso.

Assume-se, portanto, a função discursiva como a mais importante no contexto da formação. O mais irônico é que esse foi, justamente, o argumento usado pelos magistrados do Supremo Tribunal Federal para desvincular o exercício profissional do diploma. O que, parece, garante ao Jornalismo legitimidade e credibilidade, na visão dos especialistas, é que este esteja "à altura das complexidades do mundo"; como se a complexidade dependesse exclusivamente da elevada compreensão dos dizeres sobre as coisas. Esse, aliás, é um velho paradigma acadêmico: confunde-se compreensão com capacidade de expressão. Uma coisa é saber codificar e decodificar discursos, incluindo os científicos; outra coisa é compreender as complexidades do mundo.

Digamos que o Jornalismo mantenha-se no lugar de intérprete, de tradutor das complexidades. Digamos que ele mantenha-se no incômodo espaço das relações discursivas e reforce aí seu papel pedagógico de instrumentalizar os incapazes. Digamos que, ao assumir confortavelmente o convívio com "a realidade nova, moldada no ambiente criado pelas modernas tecnologias de difusão", essa atividade supere de vez o "estado de crise" em que se encontra desde que "entrou no Século XXI". Este lugar de ocupação e a distopia da crise superada mostram o quão "corretos" estavam os magistrados ao suspender a obrigatoriedade do diploma.

No momento em que se propõe trabalhar competências como "distinguir entre o verdadeiro e o falso" e "saber conviver com o poder, a fama e a celebridade" talvez tenhamos mesmo que repensar o sentido de formação acadêmica. Pode-se dizer que o lugar de centro não combina com uma época em que o poder "emana das redes de troca de informações e de manipulação de símbolos que estabelecem relações entre atores sociais, instituições e movimentos culturais", como diz Manuel Castells, citado na fundamentação do documento. Por isso, reconhecer verdades e circular pelos palácios é não compreender o lugar de circulação, de articulação, de diálogo, de presença, de inserção, de estar para intervir e não só intermediar discursos.

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