quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O dito e o mundo na educação, o dito e o mundo da educação


Reunião Pedagógica - a imagem é de alunos, a imaginação é nossa

Jacques Rancière, ao tratar da emancipação intelectual, encontra num pedagogo francês do Século XVIII a força argumentativa para dar conta de ilustrar a educação contemporânea. O mundo precisa ser explicado para instituir a diferença entre os explicadores e os incapazes. "É o explicador que tem a necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal". Dito de outro modo, os "excluídos do mundo da inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão". A explicação tem nos incapazes de compreensão seu pressuposto básico e essa incapacidade faz-se condição para o ato de explicar.

Nossos sistemas educativos respiram homogeneidades. O tempo pedagógico dedicado à aprendizagem é o do planejamento. Há pouco espaço para o inusitado, o que instiga descobertas. Conteúdos planejados carecem de explicações; sejam em si mesmos ou em justificativas sobre as escolhas que os validam e legitimam. E, portanto, conteúdos planejados são a sustentação dos explicadores. Os sistemas educativos ainda sustentam-se no ensino e talvez por isso estejam em crise. Os ambientes escolares vivem repletos de alunos, seres sem luz, etimologicamente falando. Mas o que encanta quem deseja aprender? Aquilo que faz do docente um curioso; aquilo que desperta na docência o interesse por compreender o mundo à sua volta. E esse é o princípio da aventura intelectual.

Como sugere Maurice Tardiff, os saberes docentes incluem as histórias de vida e experiências exploratórias no contexto da educação; suas atividades partem de fontes e se propõem a atingir objetivos distintos e simultâneos; e o principal para este argumento: tais saberes muito dificilmente podem ser dissociados dos traços de personalidade e das características do ambiente de trabalho. Portanto, a docência não se restringe aos conteúdos programáticos. Parece óbvio, mas nem tanto. Há um sistema que impõe o ensino por conteúdos, inclusive na formação docente, e avalia a aprendizagem ainda desta forma. O processo formativo vigente prepara as pessoas para dar respostas, não para achar caminhos e buscar soluções. Ora, respostas prontas dependem de bons explicadores.

Recupero uma leitura feita anos atrás num dos artigos publicados pela revista Nova Escola (se a memória não falha) em que Eugênio Bucci usava o princípio de Arquimedes para criticar a falta de contemplação e de abstração do mundo. O argumento enfatizava a distância entre conhecer o princípio pela sua representação, pela explicação dada, e pelo conceito a partir de interpretações próprias. Arquimedes não tinha, na Grécia Antiga, elementos imagéticos para ilustrar os princípios que defendia. E, na verdade, o uso da alavanca e do ponto de apoio para mover o planeta foi uma forma simples de ilustrar um princípio matemático e, sobretudo, filosófico. O esforço intelectual de Arquimedes hoje não precisa mais ser feito.

Eis o ponto de apoio deste argumento: o esforço intelectual, o sentido de aventura para as formas de ver, de ouvir, de tatear, de degustar, de expressar não podem ser confinados a explicações. Tampouco o trabalho docente deve prescrever explicações sobre como e o quê explicar. Aliás, comecemos por valorizar a contemplação do mundo que nos cerca, mas não exclusivamente pelos cânones que o interpretam; comecemos por valorizar quem se aventura, não quem "professa". Entender o que dizem os gênios é fundamental; mas para compreendermos seus métodos, suas formas de perceber as coisas, de conceituá-las. O dito dos gênios é sempre contestável, por princípio. E o de quem os "professa", ainda mais.

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