segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A rejeição do OUTRO como pressuposto de relações NÃO SOCIAIS

Entrelugares [por Luciano Bitencourt]

Este espaço tem sido dedicado à ideia de lugar. Já comentamos sucintamente sobre os lugares êmicos e fágicos que Zygmunt Bauman foi buscar nas relações de alteridade descritas por Claude Lévi-Strauss. Falamos também sobre os não lugares de Marc Augé e sobre os espaços vazios de Bauman. Os conceitos não estão isolados em si mesmos ou em relação aos demais. Há uma trama de "subjetivações", todas fundamentadas na sociologia e na antropologia enquanto disciplina. Convencionalmente, são as ciências humanas que tratam do humano como ser social. Talvez tenhamos de começar por uma "anarqueologia" dos saberes para romper com essas divisões "puristas".

É do alemão Siegfried Zielinski o termo "anarqueologia"; pelo menos no sentido conceitual assumido como premissa. Pode-se dizer que para ele a ciência deixou de "compilar curiosidades" em nome de respostas legitimadas pelos centros de saber (leia-se poder). Contra os dogmas dos "não iluminados" a ciência transformou-se em dogma ao buscar no controle dos "objetos" que nos cercam seu poder de iluminação. Bem, Zielinski não diz exatamente isso. Ele nos sugere essa interpretação no momento em que adverte sobre a importância das escolhas quanto às premissas que sustentam nossas ideias.

Eis a questão por ora: segundo o biólogo chileno Humberto Maturana, o que funda nossas relações atuais é a "rejeição" do "outro como legítimo outro na convivência". Dizendo de outro modo, numa sociedade em que a competição por lugares de ocupação fundamenta nossas relações não há espaço para alteridade. Notemos que para Maturana "rejeição" é emoção, no sentido de que configura certos "domínios de ação" em relação ao outro e ao meio. Entre os humanos, sob esse ponto de vista, não há apenas relações sociais. As que configuram o mundo do trabalho, por exemplo, não reconhecem a alteridade, não reconhecem o "outro como legítimo outro" e, portanto, podem ser definidas como relações não sociais, ainda que humanas.

Vamos um pouquinho mais adiante. O que Maturana chama de legitimidade é a aceitação do outro apesar das premissas de suas ideias ou das interpretações que constituem um modo de ser distinto do nosso. Interessante que, nessa concepção, não há estranhamento porque a relação já parte de premissas que não instituem a diferença pela necessidade de convivência. Ou seja, a alteridade não estaria no aceitação do diferente a priori, mas no reconhecimento de que a diferença não constitui uma premissa a ser aceita. Na natureza, segundo o chileno, não há competição porque a "vitória" de um não depende da "derrota" do outro; não há essa consciência como pressuposto. Competir é, portanto, uma ação cultural cujo domínio está na "rejeição" do outro enquanto fundamento.

Agora voltemos aos lugares êmicos e fágicos. São lugares de ocupação num espaço cindido pela "rejeição" do "outro como legítimo outro na convivência"; nas ações simbólicas de "regurgitar" ou "devorar" os estranhos encontramos relações não sociais. Os não lugares estariam, nesse contexto, nos fluxos entre esses espaços de relações não sociais cujos "passantes", sempre alheios, correm o risco de serem "devorados" ou "regurgitados" numa estada mais duradoura. Mas e os espaços vazios? Bem, a esses faltam novas premissas, novos fundamentos que rompam com a fundamentação sempre aceita a priori como premissa. Ou, por outra, que parta das relações sociais em que o outro seja legítimo por compartilhar suas ideias e interpretações.

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