domingo, 20 de setembro de 2009

Debate antropofágico no jornalismo e os mitos da tecnocracia educacional


Controlar variáveis para uniformizar resultados e verificar a eficácia de objetivos específicos tem sido, na concepção do pesquisador espanhol José Felix Angulo Rasco, basilar para os processos de inovação no ensino, sobretudo o superior. É para a tomada de decisões conforme o esperado que estão voltados indicadores, avaliações e inspeções. Resultados homogêneos são mais fáceis de aferir; as provas do vestibular, do Enade, do Enem são exemplo: estão para a competitividade seletiva e não para o conhecimento. Assim não fosse, listas classificatórias não seriam usadas como marketing institucional das "escolas" que melhor preparam seus alunos. Tampouco o Ministério da Educação as usaria para valorizar as instituições estatais.

Rasco, abordando um estudo de E. R. House em 1981, também sugere que há três mitos sustentados pela visão tecnocrática de inovação a serviço da homogeneidade e do controle. O primeiro é o da transferibilidade, segundo o qual toda inovação oferece uma "solução com alta capacidade de generalização" cuja possibilidade de transferência para qualquer lugar é incontestável; o segundo mito, o dos especialistas, pressupõe que qualquer processo de inovação depende de investigadores especializados, que dominam os saberes em questão "para orientar as decisões sobre os cursos de ação possíveis". Por fim, considera-se que os interesses individuais e coletivos dos "receptores das inovações" e dos "grupos da decisão" estão em consenso.

A Comissão de Especialistas instituída pelo Ministério da Educação para propor novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Jornalismo, diga-se, esforçou-se para superar esses mitos. Mas é evidente que não há como: primeiro porque tais mitos dizem respeito a um processo que sustenta a necessidade de controle das variáveis inerentes ao que se propõe. Não gerou uma relação de reciprocidade entre o centro de cálculo e as periferias: as audiências públicas foram feitas no Rio de Janeiro, em Recife e em São Paulo, coincidentemente, locais de atuação da grande maioria dos membros da comissão; estes, aliás, são especialistas entre especialistas (não há na comissão representantes de outras esferas institucionais senão a da mais alta casta acadêmica cujos saberes na área são legítimos). Depois porque precisava dar respostas rápidas ao MEC, não à sociedade.

Nesse sentido, entende a comissão que a autonomia didático-pedagógica das Instituições de Ensino Superior "constitui imperativo para a reciclagem dos seus projetos pedagógicos" desde que o jornalismo não esteja vinculado à "comunicação social". Solução que se propõe "transferível" a qualquer lugar, que supõe-se adequada a todas as ações em curso e que sustenta-se pelos anseios comuns a todas as instâncias de representação na área acadêmica e no campo de atuação profissional. Mas é bom que fique claro: as premissas não estão em debate; e nunca entraram. O resultado do trabalho da comissão é fruto do "estado da arte" (e quanto a isso não se discute o mérito) em jornalismo, não da arte propriamente dita.

Internamente, o debate é antropofágico; legitimados "os de dentro", assume-se a postura de que as críticas forçosamente são dos que olham para o campo jornalístico com desconfiança, não levam em consideração sua "maturidade teórica" nem o "reconhecimento social" de sua importância, confundem as teorias do jornalismo com as teorias gerais da mídia. Sim, tudo isso deve ser levado em consideração. Mas não se pode desconsiderar que há jornalistas na academia em busca de outras explicações para a inserção do jornalismo na sociedade. Infelizmente, a eles o Estado da arte não abre o debate dentro do campo. Só o faz para devorá-los ou regurgitá-los.

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