quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Educação Superior e seus LUGARES FÁGICOS de intelectualidade

"Nivelar" as diferenças ao ponto de não haver mais distinções e "aniquilar" a alteridade do outro. Zygmunt Bauman (Modernidade Líquida) associa essas referências aos templos de consumo. Lugares caracteristicamente contemporâneos em que o sentido de "comunidade" não pressupõe quaisquer tipos de tensão ou de negociação quanto ao convívio. Bauman orienta-se a partir do conceito de antropofagia, sugerido por Claude Lévi-Strauss (Tristes Trópicos), como estratégia de relação humana. Dentro desses lugares fágicos o sentido de "unidade" está dado; o que nos torna comuns é a ideia de liberdade associada a de segurança; estamos livres das tensões sociais com "os de dentro" e protegidos contra "os de fora".

Essa segunda estratégia levantada por Lévi-Strauss também pode estar associada ao ensino superior, de maneira mais refinada. Em primeiro lugar, ressalte-se a existência de uma seletividade antropoêmica que reforça os guetos e nichos de conhecimento e as estruturas decorrentes. Significa dizer que mesmo os mais aptos ao ensino superior reconhecem dentro da instituição "os de fora" e evitam qualquer relação que proponha uma interação social. Esses guetos e nichos, percebe-se, sustentam uma espécie de antropofagia intelectual. O sentido de "unidade" nestes espaços intrainstitucionais se reforça a partir do "nivelamento" das diferenças, sobretudo ideológicas.

O comportamento é mais visível nas aulas. Está na autoridade docente toda a organização de saberes relacionados aos conteúdos monodisciplinares. Há uma espécie de violência simbólica de um lado e uma submissão assumida de outro. O professor é quem sabe, está autorizado a ensinar a partir de sua experiência e visão de mundo; não existe a preocupação, a priori, com quem não alcança os objetivos por ele propostos, os que conseguirem devem demonstrar o nível de alcance; o ensino está voltado para os "melhores". O aluno, por seu lado, tem como expectativa "consumir" conteúdo; implica dizer que quanto menos tensões e negociações melhor. Aluno consome conteúdo e comprova pelos critérios de avaliação estabelecidos o quanto aprendeu. Os dois "lados" reconhecem essa lógica.

Claro que há generalizações nesta assertiva. Mas generalizações que ainda dominam o espaço social de aprendizagem no ensino superior. A antropofagia intelectual admite um certo grau de mudanças a partir da "aniquilação" da alteridade do outro. Mudanças, aliás, que não chegam a mexer em suas variáveis estruturantes. Eis o dilema nessa questão: como lugar fágico o ambiente aqui descrito está longe de se transformar pela reconfiguração de saberes. Alta seletividade, "aniquilação" de alteridades e "nivelamento" de diferenças servem para legitimar um ambiente descompromissado com os estigmatizados por algum tipo de incapacidade: "os de fora".

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Educação Superior e seus LUGARES ÊMICOS de seletividade

Sempre vinculado ao campo da educação, parto para uma reflexão sobre quatro pontos a meu ver interessantes. Em Modernidade Líquida (2001), o sociólogo polonês Zygmunt Bauman escreve sobre estratégias de relação humana a partir da ideia de alteridade. Para isso, vai buscar em Claude Lévi-Strauss (Tristes Trópicos) dois conceitos que valem o debate. O antropólogo fala de relações antropoêmicas e antropofágicas. Neste breve registro, falo sobre os lugares êmicos.

Bauman relaciona o conceito a espaços urbanos contemporâneos (os quais ele descreve como "públicos-mas-não-civis"), cuja concepção envolve o desconforto da presença. São lugares sem hospitalidade; ainda que "inspirem respeito", concomitantemente "desencorajam a presença". Lévi-Strauss, ao falar das estratégias antropoêmicas de convivência humana, refere-se a um processo de rejeição a qualquer forma de interação social com estranhos. "Os de fora" são regurgitados, lançados ao exílio. Na expressão de Bauman, o refinamento dessa estratégia é a seletividade dos espaços ou de seu uso.

Minha proposição é a de que esse refinamento pode também ser aplicado ao contexto do ensino superior. Primeiramente pela própria lógica de seletividade aos nobres espaços acadêmicos, reconhecidos como prêmios para merecedores. Nas instituições de ensino públicas e gratuitas há a seletividade intelectual como legitimidade para o acesso; o ambiente é para os "melhores". Nas instituições privadas há a seletividade econômica; o ambiente também é para os "melhores", mas que possam pagar. "Os de fora" são sempre estigmatizados por alguma incapacidade.

Além disso, a própria estrutura desses espaços opõe nichos e guetos a partir de concepções ideológicas, muitas vezes confundidas com epistemológicas. Com a fragmentação do conhecimento e as disputas por capital político no contexto das instituições de ensino, há uma espécie de "segregação" ao que não é reconhecido como pertencente ao espaço em questão. As estratégias antropoêmicas de Lévi-Strauss, os lugares êmicos de Bauman, regurgitam o próprio sentido de educação e aniquilam as diferenças. Por princípio.


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Siqueira na ALESC: impressões sobre o não dito

Palestra interessante a do jornalista Ethevaldo Siqueira. Trouxe informações em quantidade suficiente para fazer pensar. Em outras palavras, impressionou mais pelo que não disse. Vejamos: com a quinta maior rede mundial de celulares, o Brasil tem mais aparelhos que gente; jornal de papel e TV de sinal aberto vão desaparecer; em 2006 o mundo produziu em informação o equivalente a 3 milhões de vezes todos os livros já escritos; e por aí vai. São dados de fazer queixo cair.

Microeletrônica, nanotecnologia, biotecnologia... o premiado jornalista, autor de 10 livros sobre os avanços da tecnologia, procurou contextualizar seus argumentos com números significativos. O tema, a propósito, bastante oportuno: "o papel da mídia na sociedade do conhecimento". Público diversificado, atento, mas não muito grande na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, em Florianópolis, numa terça-feira (11) de proposições sobre possibilidades de cooperação entre entidades que representam a imprensa, a produção tecnológica, instituições de ensino superior e o Estado.

Qual é, afinal, o papel da mídia nesse "admirável mundo novo"? Tudo em rede, móvel e acessível. Ao mesmo tempo, tudo sem a necessidade de grandes deslocamentos. Espaço alargado, tempo reduzido. Ambiente ideal para o fim de mediações humanas desnecessárias (como a do jornalismo?). Nada de papel; os jornais do futuro serão politicamente corretos com o meio ambiente. Nada de defesa de questões político-ideológicas; os jornalistas do futuro serão politicamente corretos com os modelos de negócio que sustentam a esfera privada, essa mais viva do que nunca.

Faltou dizer o que é conhecimento nessa outra sociedade. Não por esquecimento, claro. É que o conhecimento em pauta está dado, naturalizado pela ideia de que só ele pode suplantar a esquizofrenia provocada pelo excessivo número de informações em disponibilidade. Selecioná-las, organizá-las, eis a tarefa árdua ali adiante (também do jornalismo). Faltou dizer, porque não foi preciso, que o conhecimento em pauta se caracteriza pela obsolescência do sempre novo, não constitui memória nem cria laços. É como se o mundo, outrora objeto de exercício intelectual, já tivesse interpretações suficientes a seu respeito; como se tudo já tivesse sido dito.

Talvez por isso alguns colegas tenham interpretado "o papel da mídia" como jornal impresso. Ethevaldo esforçou-se para avançar. Era essa a proposta: evidenciar os dados para o debate. Não foi alcançado. Pelo excesso de tempo nas preliminares e pelo orgasmo precoce de quem insiste em reduzir mídia e jornalismo a formas expressivas e a produtos discursivos. O jornal de papel tem seus dias contados, na visão de Ethevaldo; o jornalismo não. Para alguns colegas, contudo, o papel do jornalismo continua impresso no papel-jornal; seu lugar de ocupação na sociedade só se consolida pelo produto midiático inscrito na tradição.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

DIPLOMA DE JORNALISMO: de que lugar de ocupação estamos falando?

A velha questão do lugar de ocupação no mercado voltou. E desta vez, ao que parece, em definitivo. A decisão do Supremo Tribunal Federal, de suspender a obrigatoriedade do diploma para o exercício de jornalismo, traduz o nível do debate que se travou no Brasil. Quando a discussão é o lugar de ocupação do jornalista no mercado fastfood da informação, mercado este muitas vezes reduzido a padrões técnicos de produção, a tendência é haver polarizações meramente retóricas: ameaça à liberdade de expressão, reserva de mercado, profissionais pouco preparados, a inexistência de padrões técnicos necessários para o reconhecimento da atividade como profissão, enfim, todos estes aspectos caem no vazio.

Interessaria, talvez, ampliar o debate. A pergunta que merece resposta é qual o lugar de ocupação do Jornalismo na sociedade? Que importância essa atividade tem para as sociedades contemporâneas? Os depoimentos favoráveis e contrários ao fim do diploma, via de regra, reduzem o Jornalismo ao jornal diariamente jogado fora, ao programa de rádio despretenciosamente ouvido, ao telejornal cada vez mais novelesco ou aos simples dados publicados na internet com status de informação. E os magistrados que protagonizaram a decisão de enterrar pelo menos meio século de discussões no campo de atuação profissional e estudos acadêmicos usaram os mesmos critérios: entende a corte que o Jornalismo enquanto profissão pode ser exercido por quem tem habilidades meramente expressivas.

Por esse argumento, há jornalistas muito mais competentes que os magistrados na construção de justificativas jurídicas. Pena que esse debate não se amplie ao direito. Contudo, importa pensar que o Jornalismo não se resume à sua forma expressiva. Aliás, o principal aprendizado nesta profissão não é o de se expressar pelas técnicas; isso é o que pedem as empresas de comunicação. Ao que parece, o diploma está muito ligado aos produtos midiático-jornalísticos. Estamos falando de um modelo de negócios ao qual não interessa pensadores verdadeiramente preocupados com os rumos da sociedade em que vivemos. Registrar o cotidiano depende de interpretações, posicionamentos, curiosidades não-ingênuas (como costumava dizer Paulo Freire), enfim, depende de um lugar de ocupação na sociedade. E a decisão do STF leva em consideração apenas o lugar de ocupação num posto oferecido pelo mercado.

Às escolas de comunicação cabe uma resposta pela via do direito, essa expressiva, e outra pela via da ação, muito mais importante. Talvez agora despojadas da garantia de mercado para os egressos as escolas tenham condições de discutir a formação, o quanto de contribuição podem dar para a consolidação desse lugar de ocupação na sociedade. Se as empresas vão continuar contratando diplomados, passa a ser um problema delas; as que não o fizerem, seguramente vão perder. As escolas, no entanto, têm de começar a trabalhar para que a sociedade se componha com gente preocupada, gente humana e que esteja acima de um bom texto. Que o diploma expresse uma formação que contradiga a postura dos nobres magistrados brasileiros, interessados, talvez, em garantir uma boquinha num jornaleco qualquer para satisfazer o próprio ego.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O lugar da universidade (2)

Voltemos ao antropólogo Marc Augé. Quando ele aborda o conceito de não-lugar, seus argumentos nos levam a um lugar sem identidade, sem história e sem laços de relação. Portanto, o não-lugar é um lugar. O termo não é usado para negá-lo, mas para caracterizá-lo como destituído de vínculos. Nele não há acontecimentos, não há experiências significativas, nele não há. Em essência, não há.

O mais interessante, contudo, é que esse não-lugar só se evidencia a partir de nossa, digamos, não-presença. Os moradores de uma aldeia indígena no Xingu, por exemplo, têm uma relação com o lugar de ocupação, o lugar onde vivem, diferente da nossa. Nós construímos uma referência desse lugar sem nunca tê-lo “presenciado”. E o mais interessante é que, via de regra, tendemos a achar que o conhecemos tão bem quanto seus “moradores”. Notem: o lugar aqui inclui as relações, os laços, a história e uma identidade para eles. Para nós, não. Para nós, essa aldeia no Xingu é um não-lugar.

E a universidade? Quando nos restringimos ao lugar de ocupação, sua estrutura física por exemplo, nós a localizamos num mapa. Pode-se definir sua localização como referência. Mas isso não a constitui como um lugar, na concepção de Augé. Sem os laços que referendam sua história e sem a presença dos que constroem suas identidades, a universidade é um ponto de localização e observação no espaço. Um corpo vazio. Um não-lugar.

É preciso transcender o lugar de ocupação para dar sentido à universidade. Seu lugar de instituição é muito maior (no sentido espaço-temporal) que seu lugar de ocupação. Na verdade, seu lugar de instituição é o seu lugar de ocupação. É o que a coloca no mapa que a transforma num ponto a ser localizado e observado. Há quem passe por ela sem nunca ter estado. Há quem passe por ela como alguém que a observa num mapa de localização. Para esses, a universidade sempre terá sido um não-lugar. Como quem assiste a um comercial de TV e sonha com uma vaga no ensino de terceiro grau pela pseudo-referência das imagens e sons que o sensibilizam. Ou imagina conhecer a aldeia indígena do Xingu sem nunca tê-la "presenciado".

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O lugar da universidade (1)

"Horário nobre", emissora “líder de audiência” em TV. Por 60 segundos, a universidade se mostra como objeto de desejo; como o lugar certo para um futuro desejável. Belas imagens (quase todas sem relação com o ambiente universitário), música aconchegante, a mensagem é um convite ao sonho. Vista ainda como lugar das elites, dos privilegiados, dos intelectuais, a universidade se configura numa miragem. Não é o lugar em que os saberes convergem, criam, dão sentido ao mundo; mas o lugar de garantias quanto à ascensão social e ao sucesso no mundo do trabalho. Estereótipo contemporâneo dos mitos modernos.

Sobram vagas; as Instituições de Ensino Superior entraram definitivamente no mundo competitivo. Segundo o Censo do Ensino Superior, divulgado anualmente pelo Ministério da Educação, 44,9 % do total de matrículas não foram efetivadas no Brasil em 2006. Isso representa quase 1.200.0000 vagas não preenchidas. Há, de um lado, a alta seletividade do ensino gratuito; de outro, o alto custo das mensalidades em instituições pagas. Nos níveis de aprendizagem que antecedem o ensino de terceiro grau, os índices de qualidade são baixíssimos e os de evasão, altíssimos. O país mantém sua demanda por educação reprimida entre a incapacidade intelectual e a econômica. Mais adiante, menos de 50% dos que se tornam capazes de ascender ao ensino de terceiro grau concluem seu curso no tempo previsto.

O antropólogo francês Marc Augé mensura o estágio atual da modernidade pelo excesso de informações, de imagens e de individualismo. O excesso de informações fragmenta nossa percepção de contexto; o de imagens impõe a percepção de que parece não haver outra realidade além do que elas mostram; e o de individualismo, pautado pelo consumo, dilui as mediações institucionais em detrimento dos meios de comunicação. Um lugar com estas características é destituído de identidade, não oferece possibilidade de relações siginifcativas e não tem história. Para o antropólogo, um não-lugar.

Nos posicionemos, então, diante da TV no "horário nobre", por 60 segundos que sejam, e incorporemos o indivíduo que sonha com uma vaga no ensino de terceiro grau. Não há contexto na mensagem comercial; a universidade posta na tela é uma ficção e as vagas que ela oferece concorrem com quaisquer objetos de desejo para consumo. Não há imaginário pior para uma instituição de ensino: ser substituída pela sua pseudo-representação. Não há imaginário pior para uma universidade: destituída de identidade, desvalorizada em suas experiências significativas e sua história; feita um não-lugar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Polêmica posta em pauta. De novo!

Obrigatoriedade do diploma de Jornalismo: a recorrência a esse tema vem justamente das discussões sobre as decisões judiciais. Parece que só vale a pena discutir o assunto quando o diploma está em risco. Enquanto não se fizer uma discussão séria sobre o tema, estaremos sempre "pondo em pauta" (como na mais clássica visão de redação) a polêmica sobre quem está melhor preparado para ocupar postos no mundo do trabalho. Postos que, via de regra, reproduzem o mais vil dos discursos sobre a nossa sociedade: descontextualizado e autoritário (paradoxalmente aos anseios de democracia).

Um jornalismo que não se liberte das tecnologias como justificativa para uma produção de "qualidade", que não se sustente no rigor da apuração (como a ciência nos exige), não proponha uma expressividade mais sensível e criativa (como a arte nos sugere) e que não se envolva com os temas relevantes para a contemporaneidade deve mesmo ficar restrito a certificados de formação. Talvez Muniz Sodré nos dê uma pista sobre a essência desse debate. O diploma é o símbolo de um processo de formação (hoje reconhecido no campo da educação e no mundo do trabalho como permanente) com prazo de validade. Aliás, em muitos casos, quando chega a ser emoldurado seu prazo de validade já venceu. Quero dizer com isso que certificar um jornalista hoje, assinar embaixo de uma trajetória de formação e chancelar seu ingresso no "mercado de trabalho" tem muito pouco a ver com o papel que simboliza o fim de uma etapa desse processo.

Isso, claro, é válido em todas as profissões. Mas talvez não se possa fazer essa discussão sem envolver outros tipos de formação no campo da comunicação. Se é de um lugar de ocupação que estamos falando, o jornalismo deve respeitar outros lugares de ocupação nesse campo. Não vejo discussões sobre o fato de jornalistas estarem ocupando postos de trabalho de publicitários, relações públicas ou cineastas. E quando essas especificidades são "invadidas" pelo jornalismo (sobretudo quando não há postos de trabalho para todos os "diplomados"), que posição assumir? Essa discussão deve ficar no interior de cada especificidade do campo da comunicação? É possível identificar essas especificidades como fronteira? Se há jornalistas ocupando esses postos não regulamentados, isso já não evidencia uma suposta competência para além das fronteiras?

Se, por um lado, há um compromisso de "classe" para com a "qualidade" na formação, por outro, supõe-se que a sobrevivência dos cursos superiores de jornalismo depende disso. Consideremos, então, que os padrões de qualidade profissional podem ser comparados aos padrões de avaliação estabelecidos por uma comissão de especialistas, composta pelo MEC para mensurar a "qualidade" do ensino de jornalismo no país. Há aí uma imposição; a mesma que determina os padrões técnicos de produção. Escolas homogêneas, dominadas por um discurso hegemônico a respeito de como deve ser a formação.

O foco da discussão deve sair do lugar de ocupação e passar, definitivamente, para o processo de formação. O lugar de ocupação do jornalista não condiz necessariamente com o lugar de ocupação do jornalismo. O jornalista está alocado no mundo do trabalho como mão-de-obra (via de regra barata); o jornalismo, na sociedade, como atividade que sustenta o processo democrático nas relações de poder. Na visão clássica, passa, portanto, pela ocupação consciente dos postos de trabalho disponíveis nos meios de comunicação de massa a luta pela liberdade de imprensa e a mediação responsável entre as esferas de poder e a sociedade (sempre interpretada como ignorante e desinformada). É preciso, contudo, aprofundarmos os conceitos de "mediação", "consciência", "responsabilidade" e "liberdade" (só para começar!); e discutir, sem hipocrisias, o "futuro" dos meios de comunicação. O diploma que defendemos diz mais respeito ao ensino das coisas úteis a profissão ou ao ensino sobre a profissão propriamente dita (a pergunta é de Gabriel Garcia Marquez)? O jornalismo deve mesmo se libertar das epistemologias de onde subjaz e enveredar por seus campos idiossincráticos?

Parafraseando Muniz Sodré: se é o diploma que ainda garante a formação adequada aos comunicadores, VIVA A FORMAÇÃO QUE LEVA AO DIPLOMA! Para todas as habilitações, independente dos postos de trabalho decorrentes. Discutamos o campo da comunicação e realoquemos o jornalismo como exercício intelectual de interpretação do mundo, generoso na expressividade e sensível na percepção do que nos cerca. Ou, então, continuemos nesse jogo de imputar à instrumentalização profissional a garantia de um lugar de ocupação.