quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Reportar-se à reportagem é reportar o repórter a um outro Jornalismo

Dezesseis de fevereiro, dia do repórter. Nessa figura indispensável ao Jornalismo existe um dilema que sintetiza a crise da profissão. Repórter é geralmente visto como mediador social enquanto observador do cotidiano e mediador simbólico enquanto produtor de sentidos. A concepção o qualifica como mero espectador dos fatos. Alguém privilegiado, levado a ser "testemunha ocular da história de seu tempo", nas palavras de Clovis Rossi.

A ideia é em si controversa, mas traz uma discussão interessante. Ser testemunha ocular significa acompanhar de perto o rumo dos acontecimentos; estar presente na eventualidade das relações consideradas jornalisticamente relevantes. Essa presencialidade não nos é possível; quase nunca. No Jornalismo, a história de nosso tempo possível de ser ocularmente testemunhada é a eleita a priori como importante; pautada, antecipada em seus elementos previsíveis. Essa história é mobilizadora de "olhares" homogeneizados. As versões sobre os acontecimentos, por mais divergentes que sejam, levam em conta um único "mirante", um único "platô" de onde todos os "olhares" disputam o privilégio de observar melhor.

É possível interpretar a fala de Clovis Rossi - ainda que não creia ser esse o sentido dado a ela - por um viés mais metafórico. Por "testemunha ocular" pode-se entender também quem tem a preocupação rigorosa de reportar-se, no tempo e no espaço, aos acontecimentos que não pôde presenciar; de investigar com todo o cuidado e paciência os elementos que constituem uma versão possível, verossímil dos acontecimentos. Indo além, estabelecer conexões espaciotemporais entre o seu movimento de apuração e as versões plausíveis sobre o que se está apurando.

O termo reportagem traz uma dualidade redutora que é própria da conflituosa atividade jornalística. Quem delimita o exercício profissional a habilidades meramente retóricas, às linguagens, julga indispensável a descrição fria dos acontecimentos; um distanciamento marcado pela terceira pessoa como recurso textual. Os fatos impõem ao Jornalismo a ausência de juízos de valor no texto, no ato de reportá-los. Como se o que se diz sobre objetos e fenômenos não os valorasse de algum modo.

É no ato de reportar-se, de mergulhar num contexto específico, de dialogar com os possíveis disponíveis em termos de fontes e cenários observáveis que reside o sentido de ser repórter. Há uma difícil escolha por protagonismo nesse ato.
Tecer os sentidos contemporâneos num amplo contexto democrático, reconstituir as histórias de vida num cenário das diferenças culturais que assinam nas múltiplas oraturas e cruzar as carências sociais com o gesto generoso dos pesquisadores e dos artesãos de um outro futuro despertam uma sensibilidade altamente complexa e fina com o presente (Cremilda Medina em A Arte de Tecer o Presente: Narrativa e Cotidiano, publicado pela Summus em 2003).
Como mero espectador da agenda pautada pela mediação do previsível, portanto testemunha ocular da retórica hegemônica sobre a história, o repórter perde o que essencialmente o constitui. Lugar de repórter, como diz Ricardo Kotscho, é na rua. Não para ser apenas "testemunha ocular" de seu tempo, mas, e sobretudo, para reportar-se aos contextos de onde subjazem os insumos que qualificam nossa presença no cotidiano.

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